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Crátilo de Platão


Ora, se as coisas não são semelhantes ao mesmo tempo, e sempre, para todo o mundo, nem relativas a cada pessoa em particular, é claro que devem ser em si mesmas de essência permanente; não estão em relação conosco, nem na nossa dependência, nem podem ser deslocadas em todos os sentidos por nossa fantasia, porém existem por si mesmas, de acordo com sua essência natural.” – Sócrates (386e) categoricamente refutando o relativismo (o mundo é objetivo)


Personagens Sócrates – filósofo Crátilo – filósofo da escola de Heráclito Hermógenes – sofista, amigo de ambos


Crátilo e Hermógenes discutem se o os nomes guardam relação com a coisa representada (naturais), ou se são apenas convenções (artificiais). Mas o diálogo não se refere prioritariamente a origem da linguagem, mas sim a correção da relação entre o nome e a coisa (o conhecimento se faz pela coisa em si), ou seja, lida com a adequação das ferramentas básicas utilizadas na fala e no discurso. Ambas posições acima são equivocadas e perigosas.

A etimologia pouco contribui para o conhecimento da natureza das coisas, mas apenas provoca opiniões (doxa) e uma mescla de erros e duvidoso materialismo fisiológico quanto a esta – a linguagem deve espelhar a estrutura dos fatos. A a excessiva crença na etimologia natural de Crátilo pode tornar-se uma arma tão ameaçadora e arbitrária quanto a crença de Hermógenes na dissociação entre a palavra e a coisa.

O discípulo de Parmênides, em sua crença de que homem é a medida de todas as coisas, pode fazer uso da completa arbitrariedade e atribuir qualquer nome pode para qualquer coisa

Sócrates inicialmente estabelece que diferença entre verdadeiro e falso: “a proposição que se refere às coisas como elas são é verdadeira, vindo a ser falsa quando indica o que elas não são”. Para depois expor o perigo da transferência da incerteza dos nomes para o âmbito do ser, refutando a visão de que todos julgamentos são iguais em valor.


As coisas têm sua natureza em si próprias, e não com relação a nós (que as observamos). Sócrates argumenta que palavras/nomes são como instrumentos, e devem ser construídas com os materiais corretos e um fim específico, tudo em acordo com a natureza da coisa nomeada. E as diferenças entre idiomas resulta do uso de distintos materiais.


As palavras devem ser usadas da forma correta, dialeticamente, sempre buscando a verdade. Por isso Sócrates diz que o “fazedor de palavras” as transfere para o dialético, o filósofo – resgate da linguagem das mãos dos sofistas, retóricos e eurísticos (a linguagem usada séria e objetivamente, onde a forma (eidos) é plenamente percebida).


Para Platão alguns nomes refletem a natureza e em outros casos é convencional. A natureza das coisas não está nas palavras que as designam, mas sim nas coisas mesmo (é função da linguagem lidar com a essência (ousia) as coisas). Mas a coordenação entre os elementos da linguagem e a essência das coisas não pode ser alcançada, mas apenas idealizada como uma possibilidade.


Platão nos remete ao Mundo da Ideias, devemos olhar o mundo real através da reminiscência (eidos-formas ideais) que permite compreender a realidade – não apreendemos as coisas pelos nomes, mas por elas mesmas através da intuição (nôus) e reminiscências.


O real conhecimento vai além da expressão verbal, parte do nôus, ascende a espistême (ver Ética a Nicômaco) e culmina na esfera onde não mais pode ser expresso em palavras. A dimensão da existência, a realidade de vida e morte (Hades como conhecedor e sábio), encontra-se na estrutura do conhecimento (sophia) e das Formas-Eidos.

 

Notas

  • Platão (427-348 a.C.) nasceu em Atenas ou na próxima Egina.

  • Filho de Ariston, descendente do rei Codro, Perictíone e de um irmão de Sólon do lado materno. Ainda na juventude, recebe o apelido de Platão (“largo”) por razões incertas, mas provavelmente ligadas ao seu tipo físico. Seu nome era Arístocles.

  • Aos 19 anos torna-se discípulo de Sócrates. Sua obra escrita nos chegou aparentemente completa (26 diálogos são considerados legítimos).

  • Segundo o matemático e filósofo Alfred North Whitehead (1861-1947), “A mais segura caracterização da tradição filosófica europeia é que esta se constitui de uma série de notas de rodapé a Platão.”

  • Os subtítulo dos diálogos, e.g. Fedro, sobre o Belo, foram dados por Trasilo no século I, na Biblioteca de Alexandria que então comandava.

  • Crátilo, sobre a justeza dos nomes é diálogo legítimo (gênero lógico), provavelmente do período mediano, fase de ascensão de Platão.

  • Paradoxalmente Crátilo representa Heráclito e Hermógenes estaria ao lado de Parmênides no embate entre a perpétua mutação daquele e imobilidade deste.

  • Primeiro texto que chegou até nós que fala da formação das palavras, dos aspectos linguísticos.

  • O nome Hermógenes quer dizer descendente de Hermes, protetor do comércio, assim como mensageiro de Zeus e protetor dos ladrões.

  • Falar bem era crucial no intenso clima de debate político no sistema democrático ateniense, e.g. muitos eram candidatos a algum cargo e a defesa e acusação eram feitas pelo próprio réu e acusador. Três profissionais ensinavam os cidadãos a arte de expressar-se: (a) sofista: ensina a argumentar filosoficamente para vencer uma discussão independentemente do mérito – sofismar é fazer raciocínios perfeitamente lógicos através de inverdades (Górgias foi o mais famoso sofista); (b) retórico: ensina a argumentar para vencer uma causa, independente de se ter razão; e (c) erístico: ensina a ser um patife intelectual (truques sujos – crime intelectual). Sócrates cria o método dialético para combater estes profissionais da mentira.

  • O exercício do método dialético socrático pressupõe: (a) só se pode aplicar o método diante de uma proposição. ”p” de algum “s” / predicado de algum sujeito. A discussão dialética começa com uma proposição; (b) o primeiro passo é a refutação (elenchos), ajudando ao outro a entender que apenas tem a ilusão de que sabe alguma coisa – é um processo catártico, de limpeza (igual ao papel do teatro trágico grego segundo Aristóteles – bode expiatório); (c) a discussão é sempre direcionada para a proposição inicial, pode-se perguntar pelo contrário, mas não como afirmação. Após a refutação já deve-se ter o problema melhor definido; (d) surge a aporia, o impasse, “impedimento de andar” em grego. Assim terminam todos os discursos diálogos aporéticos (Sócrates não tinha filosofia) – daqui começa o discurso filosófico.

  • A filosofia coloca sua cabeça no mundo, provoca espanto e permite a descoberta de novas coisas. Já a ideologia é colocar uma ideia fechada e restrita na sua cabeça.

  • Nomes de batismo deveria refletir as expectativas de quem batiza.

  • A afirmação de Protágoras de que o homem é “a medida de todas as coisas” influenciou o idealismo alemão (Kant, Hegel e outros).

  • As explicações de Sócrates para dar a impressão de sustentar a opinião naturalista de Crátilo são fraquíssimas, carregadas de ironia.

  • Arco-íris: mensagem do Olimpo (de Íris) dizendo que está “tudo em paz”.

  • No diálogo, a simbólica imitação dos sons é vislumbrada como o princípio ativo básico das palavras de uma linguagem. Este princípio segue válido ainda com todos os avanços da linguística como ciência.

  • O Bom e Belo não muda sua Forma – não há espaço para o fluxo constante heraclitiano.

  • A cor branca simboliza mudança, passagem de um estado a outro, e.g. noiva veste branco por mudar de condição, rito de passagem (nada a ver com virgindade).

  • Para Platão o corpo é prisão (Édipo só enxerga quando fica cego). A morte é liberdade, é quando não se está mais prisioneiro dos sentidos. O mundo dos sentidos não tem verdade, mas só engano.

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