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O Misantropo de Molière



Personagens Principais Alceste – inconformado com a hipocrisia social, pretendente de Celimene Celimene – jovem assediada viúva, vaidosa, deslumbrada e hipócrita Filinto – amigo de Alceste, não concorda com seu inconformismo (é o raisonair)

Personagens Secundárias Eliante – prima de Celimene, interessada em Alceste Oronte – poeta, outro pretendente de Celimene, exagerado e hiperbólico Arsinoé – amiga de Celimene, falsa moralista e também interessada em Alceste Acasto e Clitandro – marqueses, outros pretendentes de Celimene Basco – lacaio de Celimene Du Bois – lacaio de Alceste


Interpretação O Misantropo é o drama de um homem (Alceste) revoltado com a hipocrisia da sociedade. Ele ama uma mulher (Celimene) que é tanto a causa do seu desconforto social, quanto o paradoxo irônico dele mesmo. O embate entre Alceste com sua amada Celimene é contado em cinco atos, todos passados nos salões de Celimene.


Alceste exige um mundo impossível, quixotesco e utópico. Ele não entende que a sociedade é um conjunto de relações meramente informais, e que a vida não é como ele imagina. Ele age como uma criança (jeunesse enragé) achando que o mundo tem de ser do jeito que ele quer e não percebe que há uma coisa chamada “mundo maior” que resiste ao mundo criado na mente dele. A chamada mentira social funciona como um lubrificante das relações humanas.


Embora ele tenha razão sob muitos aspectos do ponto de vista moral, no fundo ele é uma pessoa profundamente imatura que não está preparada para viver no mundo de relações informais que é o mundo social. Como ele não consegue impor o seu modelo perfeito de mundo, decide viver isolado no deserto. Para Aristóteles o homem não consegue viver fora da pólis, só se for um deus ou um animal. Alceste primeiro comporta-se como um deus e termina como isolado como um animal – a atitude de Alceste é anti-humana.


Molière que nos contar que no mundo real, manifestado, permeia certa hipocrisia que é essencial para que este mundo funcione. É o mundo social, onde as relações são meramente informais e implicam que se viva hipocritamente com um grau de convivência falsa, uma espécie de código de convívio que se chama educação, sem nenhum apreço verdadeiro pelas pessoas que não conhecemos a não ser uma relação amistosa.


Esta é a realidade da qual as pessoas não se livram. Portanto, é preciso aprender a conviver dentro dessas relações informais. O que não se pode perder são os princípios individuais, pois a vida social sob o ponto de vista filosófico e existencial é completamente estéril e sem nenhum conteúdo. A realização humana será sempre no plano individual e jamais no plano coletivo, pois a sociedade não tem existência real convenção.


O Misantropo é uma ilustração daquilo que Aristóteles escreveu na Política há 2300 anos. É a compreensão da natureza do homem.


 

Notas

  • Jean-Baptista Poquelin ou Molière (1622-1673) nasceu Paris, França.

  • Mudou o nome para Molière (inspirado numa pequena aldeia no sul da França) para não comprometer socialmente seu pai.

  • Molière é um sátiro, o maior deles. É moralista e um indignado genial. Não há simbolismo em sua obra como no metafísico Shakespeare.

  • Aplicava uma linguagem prosaica e crua, ao contrário do francês castiço usado pelos trágicos contemporâneos Corneille (1606-1684) e Racine (1639-1699).

  • Grande criador de personagens memoráveis, muitos incorporados ao vocabulário como denominação a tipos humanos: Tartufo, Misantropo (Alceste), Avarento (Harpagão) e Hipocondríaco (Argan) – personagens imortais.

  • O Misantropo foi encenada pela primeira vez em 1666. Foi um fracasso de público, mas é considerada sua maior obra. A peça tem o subtítulo “O atrabiliário amoroso”, que remete à ideia de que Alceste tem personalidade “melancólica”.

  • Outras obras primas do autor: O Tartufo (estreia em 1664, suspenso pela censura volta em 1669), O Avarento (1669), Don Juan (1665) e Escola de Mulheres (1663).

  • Por sua natureza satírica, as personagens de Molière são algo esquemáticas (sem a complexidade humana natural) – a sátira vive de estereótipo, como na commedia dell’arte.

  • Commedia dell’arte: Forma teatral italiana (pastelão, improvisação), popular na Europa entre os séculos XVI e XVIII. As peças que giravam em torno de encontros e desencontros amorosos, com inesperado final feliz. Havia três categorias de personagens: a dos enamorados, a dos velhos e a dos criados (zannis). Havia o zanni esperto, que movimentava ações e intriga e o zanni rude e simplório, que animava a ação com brincadeiras. Arlequim é o mais popular, o empregado trapalhão, ágil e malandro, capaz de colocar o patrão ou a si em situações confusas e cômicas. Briguela, empregado correto e fiel era cínico e astuto e rival de Arlequim. Pantaleone era um velho fidalgo, avarento e eternamente enganado. O Capitano era um covarde que contava proezas de amor e batalhas, mas era sempre desmentido. Satirizava os soldados espanhóis. Outras personagens típicas que esta arte eternizou: Scaramouche, Isabela, Columbina e Polichinelo (não guarda segredos).

  • Julio Cortázar diz que romance é filme e o conto é fotografia. O romance ganha por pontos e o conto por knock out.

  • Moliére: “Ridendo castigat mores.” = Rindo castiga-se os costumes.

  • A narrativa de O Misantropo desenrola-se por doze horas na corte de Luís XIV, de suntuosidade nunca vista na Europa. Um clima de futilidades, de relações sociais completamente formais, um mundo de gente que vivia numa certa fantasia.

  • O teatro resolve a vinculação com a opinião do público de diversas formas: (a) o teatro grego usava o coro para representar a voz do povo, (b) Shakespeare usava o bobo da corte com o mesmo propósito, e (c) Molière criou a figura do raisonair, o sujeito que entra com a razão, faz comentários de bom senso como se fosse o povo falando.

  • No Brasil temos uma sociedade de rapapés. Uma sociedade de carentes afetivos que não suporta a sinceridade, onde não se aceita a crítica – sempre tomada como pessoal. No Brasil o sujeito não espiritualizado vira guerreiro-da-luz, o analfabeto tem inteligência emocional (é assim que se vende livros no Brasil – transforma o problema em algo falsamente positivo).

  • A sociedade é estéril, é apenas um patamar sobre o qual você constrói alguma coisa, ela não tem uma autonomia produtiva, ela não produz nada. Você constrói comunidades nas quais você se insere. A primeira delas é a família. Mas depois vem outras comunidades possíveis com graus maiores ou menores de possibilidade de sinceridade.

  • Trecho da obra Vos soins ne m’en peuvent distraire Belle Philis, on désespère, Alors qu’on espère toujours. "A gente desespera enquanto, Formosa Fílis, ainda espera. – versos de Oronte, famosos como exemplo de má poesia

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