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A Peste de Albert Camus

Personagens Principais Bernard Rieux – médico Padre Paneloux – jesuíta José Grand – funcionário público, depressivo Cottard – indivíduo imoral

Personagens Secundárias Jean Tarrou – jovem também retido na cidade Raymond Rambert – jornalista parisiense “preso” na cidade


Interpretação O isolamento da cidade de Orã (Argélia) equivale ao isolamento do homem desvinculado do sentido da sua existência. Camus prepara o terreno para falar da sua versão de existencialismo.

Em O Mito de Sísifo, Camus apresenta quatro vias para homem diante da absurdidade da vida: (a) o suicídio, pois não estaríamos perdendo nada; (b) viver tão absurdamente como a vida, literariamente exemplificada por Don Juan; (c) jogar o problema para o nível metafísico, conformar-se e esperar a morte; (d) aceitar o desafio com a sua vontade humana e ser capaz de produzir uma ação concreta de intervenção sobre esta absurdidade.

Todos os tipos acima estão refletidos em A Peste. O depressivo José Grand assume o papel do suicida (em potência). Cottard comporta-se tão absurdamente como a vida seria absurda. O padre Paneloux assume o terceiro papel acima. E, finalmente, Rieux, Tarrou e, depois, Rambert assumem o quarto e último papel.

A vida humana é submetida a regras absolutamente insensatas, incompreensíveis e sem nenhum cabimento e sendo assim, teríamos que ser heroicos o tempo todo. No fundo essa é a atitude que transformou Rieux num herói. Tarrou é um herói que morre no final, o herói que se dedica voluntariamente. Rambert também faz um ato heroico. Esses são os homens existencialmente complexos para o existencialismo camusiano. Os três não estão fazendo como o padre preocupado com a metafísica, nem estão fazendo como Cottard que está usufruindo disso oportunisticamente, nem pretendem se suicidar, mas estão assumindo sua parte de responsabilidade sobre o mundo e agindo na direção de consertar o que puderem. Rieux e Tarrou têm comportamento cristão mas renegam totalmente a divindade. Camus quer dispensar Deus ficando com tudo que tem ligação a Ele.

O coração desta história é de que os valores cristãos, que nos impressionam em Rieux e Tarrou, quando dissociados de um quadro de referência mais amplo são a origem de todo o estado totalitário moderno.

Em A Peste, há a demonstração clara do nascimento do homem revoltado do século XX, que acha que é capaz de encontrar o próprio sentido de sua vida e, portanto, que acha que é possível construir seus próprios valores a partir de suas próprias vontades (como Nietzsche achava) e que irá produzir o homem prometeico moderno que acredita que o Estado é capaz de resolver o problema da condição humana – embrião do totalitarismo.


 


Notas

  • Albert Camus (1913-1960) nasceu na Argélia mas era filho de franceses (de vida modesta). Logo era um pied-noir, francês nascido nas colônias africanas. Estudou nas melhores escolas de Argel, pois contava com apoio dos professores que logo identificaram seu potencial.

  • Escritor cultuado (prêmio Nobel em 1957), Camus deve ser lido com muito cuidado, pois muito ajudou na confusão do século XX. A Peste (1947) é seu romance mais importante.

  • Estreia literariamente em Paris, em 1942, com o ensaio filosófico O Mito de Sísifo e a novela O Estrangeiro.

  • Não é um autor original, usa os grandes temas por sua relevância. Usa os livros como veículo de ideias, tendência daquela época.

  • Esquerdista, logo rompe com stalinistas e trotskistas e, sem nenhuma filiação institucional, segue sua independência ideológica.

  • Meursault (O Estrangeiro) e Rieux (A Peste) são heróis existencialistas que depois Camus irá denunciar em O Homem Revoltado. Mais tarde teria confessado seu próprio erro em A Queda.

  • Existencialismo é um dilema sobra a nossa existência – qual o sentido da vida? É o buraco existencial experimentado pela sensação de inutilidade da vida. O existencialista busca uma razão para sua existência.

  • Os existencialismos variam conforme o autor: não há um único existencialismo. Por isso tenha cuidado ao usar esta expressão porque é muito mutável conforme o autor. Mas há algo em comum: todos eles são órfãos. Você só pode procurar aquilo que você perdeu. Ninguém procura o que não perdeu.

  • A perda de sentido da existência coincide com a perda da condição de criatura, perda do Pai. Por isso é que há tanta simpatia por Nietzsche que defende justamente a tese de que a humanidade foi enganada por dois picaretas: Jesus Cristo e Platão, que contaram que havia alguma coisa que ultrapassava este mundo, um mundo transcendente e onde estariam as respostas. O existencialista se recusa a aceitar isto porque acha que é uma ideia escravizante.

  • A situação do ser humano seria a mais absoluta miséria, mergulhado em enigmas insolúveis, deparando-se com elementos incontroláveis que afetam a sua vida, incapaz de controlar o seu destino. Porém são os seus atos que merecem crítica ou elogio e não o destino que você teve nesta vida – esse destino é um mistério. Toda tentativa de interpretar os grandes mistérios, dando-lhe formato de predestinação, é gnóstica. O problema é imaginar que este mundo deveria ser perfeito, mas isso é impossível visto que se ele fosse perfeito seria Deus – logo não existiria. O mundo perfeito é ontologicamente impossível – os defeitos do mundo são frutos da bondade divina.

  • Com todas as maravilhas técnicas do século XIX o homem declara-se uma maravilha por si próprio. Deus não seria mais necessário, e surge um conjunto de filosofias apoiando esta ideia. O homem comemorou a si mesmo no século XIX e esta comemoração gerou uma ressaca no século XX. Esta ressaca chama-se existencialismo.

  • Camus não é tecnicamente um comunista: ele não acha que o partido comunista resolverá o problema do mundo. Já Jean-Paul Sartre acha que sem ação política organizada nada adianta. No fundo os dois têm algo em comum, porém com metodologias diferentes: uma rebelião sobre a condição humana.

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