“ … Ao fundo, Apporelly arrumava cartas sobre um pequena mesa redonda, entranhado numa infinita paciência. Avizinhei-me dele, pedi notícias do livro que me anunciara antes: a biografia do Barão de Itararé, Como ia esse ilustre fidalgo? A narrativa ainda não começara, as glórias do senhor barão conservavam-se espalhadas no jornal. Ficariam assim, com certeza: o panegirista não se decidia a pôr em ordem os feitos do notável personagem.” – Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere (1953)
Destacada figura jornalística, principalmente nos anos 20,30 e 40, Torelly revolucionou o humor e imprensa da época com sua irreverência anárquica. Ferrenho crítico dos governos de plantão vivia às turras com as poderosas vítimas de seu refinado sarcasmo. Certa vez, depois de provocar a Marinha, leva uma surra e fixa a seguinte placa na porta do seu gabinete: “Entre sem bater.”
Seguem algumas de suas máximas retiradas da coletânea de seus textos publicada postumamente com o título Máximas e Mínimas do Barão de Itararé:
O uísque é uma cachaça metida a besta.
O que se leva desta vida é a vida que a gente leva.
A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer.
Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
Dizes-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.
Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.
Mantenha a cabeça fria, se quiser ideias frescas.
O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.
Quem ama o feio é porque o bonito não aparece.
Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.
De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
Quem empresta, adeus.
Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
Precisa-se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa.
O fígado faz muito mal à bebida.
O casamento é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.
A alma humana, como os bolsos da batina de padre, tem mistérios insondáveis.
Eu Cavo, Tu Cavas, Ele Cava, Nós Cavamos, Vós Cavais, Eles Cavam. Não é bonito, nem rima, mas é profundo…
Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está.
As duas cobras que estão no anel do médico significam que o médico cobra duas vezes, isto é, se cura, cobra, e se mata, cobra.
Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!
Devo tanto que, se eu chamar alguém de “meu bem”, o banco toma!
Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta…
Tempo é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.
Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer.
O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
Em todas as famílias há sempre um imbecil. É horrível, portanto, a situação do filho único.
Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados.
Quem não muda de caminho é trem.
A moral dos políticos é como elevador: sobe e desce. Mas em geral enguiça por falta de energia, ou então não funciona definitivamente, deixando desesperados os infelizes que confiam nele.
O Brasil é feito por nós. Está na hora de desatar esses nós.
O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta.
Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse a você.
A sombra do branco é igual a do preto.
Este mês, em dia que não conseguimos confirmar, no ano 453 a.C., verificou-se terrível encontro entre os aguerridos exércitos da Beócia e de Creta. Segundo relatam as crônicas, venceram os cretinos, que até agora se encontram no governo.
O bacalhau é um peixe lavado e passado a ferro.
As mulheres de certa idade nunca são de idade certa.
Deus dá pente a quem não tem cabelo.
Os vivos são e serão sempre, cada vez mais, governados pelos mais vivos.
A guerra é uma coisa tão absurda e incompreensível que, quando se registra um combate de amplas proporções, até as baixas são altas.
Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa.
Todo homem que se vende, recebe muito mais do que vale.
Desgraça de jacaré são estas bolsas de couro.
Genro é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.
Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará tão cretino como o pai.
Vamos deixar como está para ver como eu fico.
O meu amor e eu nascemos um para o outro, agora só falta quem nos apresente.
Notas
Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971) nasceu em Rio Grande (RS).
Jornalista e escritor, pioneiro no humorismo político brasileiro, era conhecido pelos pseudônimos Apporelly e Barão de Itararé.
Criou o jornal carioca A Manha (sem til) em 1926, e vai comandá-lo até 1959 com algumas interrupções e edições espasmódicas nos últimos anos.
Máximas e Mínimas do Barão de Itararé é publicado em 1985 contendo uma coletânea de seus textos publicados ao longo dos anos no jornal A Manha e alguns poucos outros periódicos.