“Religion e morality are the essential pillars of the civil society.” – George Washington (1732-99)
“Democracy can not succeed unless those who express their choice are prepared to choose wisely. The real safeguard of democracy, therefore, is education.” – Franklin D. Roosevelt (1882-1945)
“Democracy is the worst form of government except all the others that have been tried from time to time.” – Winston Churchill (1974-1965)
Democracia na América é um dos mais relevantes livros escritos sobre democracia (e sobre os EUA), operando como um guia na observação e ponderação dos nossos atuais modelos ditos democráticos.
Igualdade de condição é apontada por Tocqueville como o mais importante pilar conceitual da democracia – não igualdade econômica, mas a não existência de classes por nascimento (ausência de privilégios pelo sobrenome). O mundo então movia nesta direção e Tocqueville advoga por uma nova ciência política, sendo a democracia não uma forma de governo, mas um modo de vida que engloba nossa existência cívica e privada (traz à memória o conceito aristotélico zoon politikon – sem o convívio cívico não há vida completa – e daí a Política preceder a Ética).
Igualdade, e não liberdade, seria a maior aspiração na América, a ideia de que os diretos são os mesmos para todos os cidadãos, a crença de que a sabedoria de muitos supera a de um ao longo do tempo (igualdade aplicada ao intelecto).
(A premissa de “equidade aplicada ao intelecto”, ou seja, de que muitas mentes são mais iluminadas e sábias que um único homem é diretamente oposta ao ensinamento deixado pelo sacrifício de Sócrates. Em qualquer sociedade os brâmanes são sempre uma minoria.)
Há diferenças entre igualdade e liberdade: (a) a igualdade pode não se estender as instituições políticas; (b) pode haver igualdade sem liberdade (todos baixo um déspota); (c) pode haver liberdade sem igualdade; (d) diferem no que provocam e na forma de manutenção (e.g. igualdade provoca pequenos prazeres diários – não precisar curvar-se a ninguém – e liberdade demanda sacrifícios); (e) igualdade elimina barreiras entre as pessoas; (f) igualdade torna as pessoas mais empáticas; e (f) igualdade inibe revoluções, pois todos têm algo a perder. Tocqueville tenta definir o termos da questão para avaliar igualdade e liberdade na democracia americana.
Perigos na busca da igualdade: (a) na busca da miragem de igualdade de condições econômicas acabamos perdendo a possibilidade de igualdade perante a lei e a liberdade; e (b) em um Estado onde todos são iguais fica mais difícil preservar a independência dos cidadãos diante da agressão do Poder. Há uma contradição entre igualdade e liberdade inerente à democracia. A preservação da liberdade implica a limitação de governo – a fórmula de limitar o Estado e manter a liberdade exige o autogoverno de seus cidadãos segundo as normas religiosas e morais.
Liberdade de expressão é uma necessidade, pessoas devem falar abertamente e frequentemente – não pode haver democracia sem liberdade de expressão. Tocqueville não identificas entraves governamentais para o exercício da liberdade de expressão. Mas sim barreiras impostas pela própria sociedade, sendo a mais nefasta a “tirania da maioria”.
Para Tocqueville a “tirania da maioria” é especialmente insidiosa, não violenta ou coerciva, mas sim sutilmente invasiva, levando-nos a alinhar com o pensamento majoritário contra nossas próprias convicções (difere da definição de Jefferson (cunhou a frase visando a intolerância religiosa e a invasão da privacidade) e da de Madison (exploração das classes mais abastadas pelas mais pobres) – haveria liberdade de expressão mas não liberdade de pensamento. A maioria era sensível apenas a experiência (reconhecer na prática o que funciona e não funciona) e estrangeiros (maioria tolera de estrangeiros o que não toleraria de conterrâneos – locais dizem a estrangeiros o que não diriam a um conterrâneo, e.g. o próprio Tocqueville).
Democracia é o governo da maioria, o poder da maioria seria absoluto e a onipotência é geralmente perigosa – “It is a detestable idea that the majority has the right to do anything”. O poder legislativo seria o que mais cegamente segue a maioria – quanto mais curto o mandato mais o legislador votará pensando na reeleição.
A “tirania da maioria” é tão perigosa que meios temerários seriam necessários para limitar seu poder: (a) uma legislatura não submissa a maioria, (b) um executivo forte, e (c) um judiciário independente. Estes elementos já estavam na Constituição Federal. O perigo também pode ser atenuado através (a) de uma administração descentralizada, (b) da presença de um judiciário com poder de declarar uma lei inconstitucional, (c) de um povo bem instruído sobre seus direitos, e, principalmente, (d) através da possibilidade de liberdade de associação.
A maioria também é poderosa (e danosa) em questões culturais: (a) a opinião pública é opressora e abrange todos os aspectos da sociedade; (b) a maioria prove a sociedade de opiniões prontas, e (c) até formata a linguagem.
Liberdade de imprensa é outro elemento valioso para o exercício democracia. A censura é absurda numa nação que proclama a soberania do povo – a liberdade de imprensa previne o mal provocado pela equidade (perda do individualismo), mas torna-se um perigo para a democracia se poderosa em demasia. O poder da imprensa deve ser restrito pela multiplicação de seus números (uma noção de John C. Spencer), garantindo que diversos pontos de vista sejam expressados, todas as vozes sejam ouvidas. A centralização do poder inibe a multiplicidade da imprensa (povo distante da discussão política), favorecendo o pensamento único, inibindo a processo civilizatório, e abrindo espaço ao totalitarismo.
Liberdade de associação (política e civil) é vital na democracia, especialmente na prevenção da “tirania da maioria” – garantir que pessoas que comungam determinados princípios e ideias não se percam na multidão. Estas associações precisam de liberdade de reunirem-se, discursarem e de emitir publicações – volta à liberdade de imprensa – para comunicar-se com os demais, e dar a oportunidade para que as pessoas identifiquem outros que partilham os mesmos ideais (rompe o isolamento dos indivíduos e das associações). A liberdade de imprensa é essencial para a civilização.
Associações políticas são grupos de indivíduos unidos em torno de uma proposta política específica pela qual desejam influenciar a legislatura e as políticas governamentais. Associações reúnem pessoas com pensamentos divergentes e concentram-se em um objetivo político único – os associados diferem em muitos aspectos e pensam diferentes sobre muitas coisas, mas concordam com o objetivo da associação, e aprendem a trabalhar juntos.
Associações que pretendem abarcar mais que um tema tende a dividirem-se, pois perdem a unidade de concordância. Associações efetivas demanda contato pessoal (subsidiárias locais) e uma rede de comunicação, e, apesar de representar minorias, seus membros tornam-se influentes em suas comunidades em função de sua associação. São grandes escolas de democracia, rompendo o isolamento interior (reduz o individualismo – enriquecido como self-interest well understood), desenvolvendo o hábito de trabalho conjunto, entendendo os mecanismos políticos, e, principalmente, resistindo a centralização administrativa – democracia se aprende praticando-a.
Associações civis, organizações privadas sem fins políticos, complementam as associações políticas. Cidadãos são dependentes e fragilizados em uma democracia, as associações civis agregam as pessoas em atividades conjuntas – são um baluarte contra a “tirania da maioria”. Através destas associações o povo pode realizar ações (que melhoram a vida da sociedade) que não seriam possíveis se ficassem isolados (poder da sociedade civil), eliminando a dependência do governo ou de um patrono rico. A participação em associações civis também funcionam como uma porta de entrada à associação política ou uma carreira política.
A democracia não nasce do nada na América, e o autor estabelece os fundamentos da experiência americana: (a) Os inglese que lá chegaram traziam a prática de uma vibrante participação política local, sendo a nação construída por cidades para depois serem agrupadas em estados e finalmente em uma federação. Nas cidades de New England (berço da democracia americana e que influenciará as demais unidades da federação) a democracia iniciou-se de forma direta, e não representativa (reuniões municipais com voto direto e eleição de vários cargos oficiais, incluindo xerife, promotor e juiz – elementos ainda presentes em muitos municípios/counties). Cidades demasiadamente pequenas são agrupadas em counties (cidade-county- estado-federação). (b) Os puritanos traziam o ensinamento cristão que sempre pregou a igualdade de condições, e tinham uma forte consciência moral. O que permite a coexistência de liberdade e igualdade na América é o conceito de liberdade cristão, a capacidade de conduzir-se pela lei aceita livremente (em Connecticut, o primeiro sistema penal derivou, através do voto, diretamente do Pentateuco). É a conduta do povo americano como bom cristão em suas casas que viabilizou o sucesso da democracia – cuidar de sua alma e de sua família, e não querer mudar o mundo é a ideia de vida cristã (exercer a liberdade individual responsavelmente). Aqueles que querem mudar o mundo acabam virando massa de manobra nas mãos de ideólogos e políticos. “O puritanismo era quase tanto uma teoria política quanto uma teoria religiosa, e ele se confundia em vários pontos com as teorias democráticas e republicanas mais absolutas.”
(c) Outros aspectos dos puritanos/calvinistas era a ausência de hierarquia, e o imperativo de ler e compreender a Bíblia – demandando maior educação, e levando a formação de uma elite letrada com o conhecimento adquirido dos grandes mestres do passado (e.g. Aristóteles, Platão, Montesquieu).
(d) Diferentemente de outras colônias, América foi habitada principalmente por famílias, e não apenas indivíduos isolados – fomentando o sentido de responsabilidade, educação e ordem.
(e) Terra ampla, rica e selvagem (geografia – religiosamente vista como uma dádiva de Deus a ser bem administrada / também isolada de outras nações poderosas, logo mais segura), demandou união dos habitantes para estabelecer condições de sobrevivência através do trabalho coletivo.
(f) Tocqueville destaca a importância da moral americana (“habits of the heart” – conjunto de ideias das quais os hábitos são formados) no sucesso da democracia: o povo americano (1) prefere o específico ao geral (dão exemplos e não lições, suspeitam de sistemas intelectuais e prefere os fatos, prefere o útil ao belo – o belo deve ser útil, tendem mais a generalidades simplistas que sistemas intelectuais profundos) – Tocqueville alerta que o afastamento do geral pode inibir a evolução/mudanças; (2) combina a crueza do colono da fronteira com a urbanidade (numa cabine rústica, pessoas vestiam roupas e conversavam como na cidade, e se encontrava simultaneamente uma Bíblia, um machado e jornais); (3) ia a missa aprender a controlar seus desejos e a não invejar e ressentir-se dos demais, e voltando a casa lia a Bíblia; (4) acredita que a experiência traz conhecimento (ler e escrever não é o suficiente, valorizam a experiência); (5) pratica os hábitos políticos/democráticos em suas vidas privadas; 6) acredita na evolução e aperfeiçoamento do homem (otimismo e ambição – sempre desejando ter mais); e (7) é apegado ao bem-estar material (o pobre ambiciona enriquecer e o rico teme perder o que tem) – Tocqueville acredita na possibilidade de um materialismo honesto e incorrupto, mas não está seguro que os americanos o encontraram e vê risco de degradação pessoal/social, sendo tarefa da religião dar ao povo a visão do futuro, e dos legisladores estimular o gosto pelo infinito, dar exemplo de grandeza e incutir o amor pelos prazeres imateriais.
(g) A natureza majoritária da democracia incentiva a mudança, sendo a âncora da sociedade americana a religião no geral, e o Cristianismo especificamente (Cristo pregava a igualdade de condição) – não sujeito aos caprichos da maioria e, portanto, essencial para o funcionamento da democracia na América, provendo o sistema intelectual e purificando o desejo material (ver ponto anterior). O Cristianismo ajuda a quebrar o isolamento individual que a igualdade provoca, seja fisicamente, com agregando as pessoas nas missas, ou espiritualmente. Democracia tende a centrar-se em temas de curto prazo, e governos devem agir sob a crença da imortalidade da alma, ampliando o horizonte de consciência do povo – governos devem submeter seu comportamento a moral cristã. Tocqueville encontrou uma Igreja e clero afastado da politica, de suas instituições e partidos – o púlpito não era local para discussão política (ao imiscuir-se na política a Igreja perde sua função e positiva influência – política é interesse, religião é amor).
(f) A família também assume um papel relevante na construção da América. A Igreja influencia as mulheres e estas toda a família, permeando a sociedade com os valores cristãos – ao deixar a arena política e ingressar em casa o homem encontra um ambiente de paz e ordem que influenciará suas visões política e suas ações. As mulheres definem os habits of the heart – papel fundamental na formatação da democracia na América.As meninas eram educadas para a própria independência: (a) gradualmente deixando a tutelagem materna; (b) consentidas de pensar por si próprias, falar livremente e agirem sozinhas; e (c) educadas sobre os vícios e perigos da sociedade – crescer confiantes em si mesmas. As meninas americanas tinham uma moral pura, ao contrário de uma mente casta. As paixões femininas não eram reprimidas, mas elas eram educadas a combatê-las armadas com a razão – elas eram honestas e temperadas, desenvolvendo o julgamento às custas da imaginação. Ao casarem-se, a mulher americana conscientemente assume o sacrifício de dedicar-se a família – o lar torna-se sua fonte de prazer. As funções são dividias (homem o sustento, mulher a administração doméstica) e, como em qualquer associação, há um líder (homem). Tocqueville considerou a superioridade da mulher americana como a principal razão do sucesso da democracia na América.
Os valores de liberdade, democracia, direitos humanos, garantias constitucionais que permeiam a democracia americana surgem da síntese das exigências políticas do iluminismo inglês (muito diferente do iluminismo revolucionário da Europa continental) com as tradições cristãs trazidas pelos piorneiros.
Em muitos aspectos estas características eram únicas e ajudam a entender o excepcionalismo da experiência americana. Tocqueville enfatiza que cada nação tem particularidades históricas, culturais e geográficas que demandam modelos de sistemas democráticos ajustados a singularidade de cada país.
Apesar de a república americana apresentar em sua constituição elementos de monarquia (presidente), aristocracia (senado) e democracia (câmara), diferindo do modelo clássico ateniense de participação direta, Tocqueville acredita que o princípio dominante adotado de soberania da maioria define o modelo americano como democracia (ao longo do tempo os EUA tornaram-se mais democráticos, e,g. eleição direta de senadores, universalização do direito ao voto, instituição de elementos de participação direta como referendos e recall).
O “império absoluto da maioria” prevaleceria mesmo com as várias instituições que formam a federação em suas esferas territoriais (municípios, estados e governo central) e de poder (executivo, legislativo e judiciário). Mas existem problemas com o regime majoritário: (a) a “tirania da maioria” supracitada; (b) em tempos de crise a necessidade de formação de consenso pode ser fatal; (c) dificuldade em formular uma clara política exterior; (d) as leis tendem a serem voláteis; e (e) novas ideias e movimentos são frequentemente sufocados.
Para evitar que o poder da maioria representado pelos grandes estados (ex-colônias) prejudicasse os menores criou-se o Senado com apenas uma cadeira por estado, ao passo que o Câmara reflete a população de cada estado. O Congresso (Senado e Câmara) é o poder mais poderoso por responder mais diretamente a maioria – mas em tempo de crise o poder Executivo (Presidente) assume preponderância.
A Suprema Corte é criada pela Constituição, imbuída do princípio de que a proposta da justiça é substituir o direito a violência, sendo a força da Corte moral e não material – a Corte não tem poder de impor a justiça, tarefa do Executivo (um modelo de conduta). Arena natural da solução de conflitos entre estados e destes com o governo central, a Corte é, por natureza, eminentemente política – questões judiciais são políticas. Tocqueville destaca que nunca uma corte de justiça teve tanto poder: “Nos Estados Unidos, paz, prosperidade, e a própria existência da nação procede da justiça da Suprema Corte”. Ele também observa suas limitações: (a) a Corte só pode atura quando requisitada, (b) age apenas em casos particulares, (c) é restringida à Constituição, e, (d) não impõe a justiça (sem força material).
Ainda com relação ao sistema judicial, Tocqueville menciona a necessidade de juízes qualificados como uma das principais razões para a necessidade de counties (os juízes nas cidades e vilas não eram necessariamente formados em leis). A eleição de juízes (em certos estados) é vista negativamente, pois diminuiria o necessário respeito requerido pela magistratura, eleição seria positiva apenas no nível local (juízes de paz).
O juiz de paz seria um cidadão esclarecido e respeitado, mas não necessariamente versado em leis. É uma instituição positiva para a democracia pois assegura que certos temas, judiciários ou administrativos (e.g. multas de trânsito), sejam resolvidos localmente, mantendo o sistema judiciário mais próximo do povo (mantenedores da ordem na comunidade).
O juri é definido como uma das mais importantes instituições democráticas. O sistema penal é estímulo a obediência e a ordem, e aqueles que julgam os infratores são “senhores da sociedade” – o próprio povo (doze pessoas arrogadas do poder de decidir a aplicação da lei). Participar de um juri (a) ensina equidade (especialmente em casos civis onde é preciso definir a devida compensação pela falta cometida), (b) torna a pessoa sensível ao fato que qualquer um pode ser processado, (c) combatendo o egoísmo e individualismo. O juri é uma escola de democracia (como as associações políticas) onde o jurado aprende observado o juiz e advogados – lições sobre as leis (ninguém deveria fugir desta função, pois esta atitude prejudica a democracia).
Tocqueville conclui que o sistema judiciário (junto com a liberdade de imprensa) é o principal instrumento da democracia americana, com as cortes como grandes garantidoras da independência do individuo. Porém, quanto mais fraco for um governo, mais ele demandará um sistema judicial complexo e forte – desequilibrando o sistema democrático.
A Constituição Americana estabelece a centralização do governo, mas não a centralização da administração. A centralização de governo (leis gerais e princípios estáveis) é necessária para o funcionamento de uma nação, e cobria as seguintes áreas: (a) relações exteriores, (b) valor da moeda, (c) correio e comunicação, e (d) taxação (não depender de financiamento dos estados).
Porém, a centralização da administração desrespeitaria as diferenças de cada região, potencialmente criando injustiças e afastando-se dos princípios democráticos – mesmo leis federais deveriam ser administradas localmente. Vantagens da maior independência das cidades diante do estado, e dos estados diante da federação: (a) aproximação do indivíduo às decisões públicas aumenta sua vigilância da sociedade e ajuda no combate da imoralidade – mantém o poder mais próximo do povo; (b) maior foco no bem-estar coletivo (do próximo), inibindo o egoísmo; (c) maior igualdade de condições entre os habitantes e menor conflito de interesses;
(d) dificulta a subida ao poder de um tirano, e facilita sua derrubada; (e) desperta menos ambição de poder e glória; (f) costumes familiares facilitam a definição de leis e sua adoção;
(g) combate a uniformidade das leis (igualdade não é uniformidade).
As frequentes eleições locais para várias posições (com termos de curta duração – mais pessoas têm a prática de fazerem parte do governo – posições menores como treinamento para cargos maiores) funcionavam com uma escola de democracia, com o povo participando e vendo os resultados localmente – democracia começa em casa e nos seus arredores.
O sentimento de participação efetiva aumento o senso de responsabilidade – democracia deve ser praticada com assiduidade localmente em temas relevantes, aproximando as pessoas. O esvaziamento da jurisprudência das cidades – a concentração de poder – é um veneno para a democracia e a liberdade.
Tocqueville identifica problemas inerentes ao sistema democrático observado na América:
(a) Risco da ditadura da maioria – e.g. instabilidade nas leis (mudanças constantes) levando ao desconhecimento ou descrença das mesmas, a maioria pode esmagar a minoria (inibe a liberdade de expressão, dissidentes são escorraçados da discussão pública); (b) Período eleitoral paralisa o governo; (c) Governantes administram para as eleições e não para a nação; (d) Povo elege os piores representantes – inveja do mais capaz (os mais destacados homens raramente governam); (e) Troca frequente de representantes limita o progresso contínuo; (f) Tendência de aumento de impostos (pobres em busca de bondades) e gastos; (g) Equaliza os homens para baixo – menos grandes homens, menos grandes realizações (a mediocridade substitui a excelência – muitos são educados mas poucos são brilhantes); (h) Foco no presente e em soluções específicas, desconsiderando sistemas filosóficos e teorias;
(i) Partidos apegam-se a determinados candidatos em função da perspectiva de vitória e ilusão de representação da maioria;
(j) Fomenta o individualismo no conceito de Tocqueville (ver abaixo).
Tocqueville argumenta que há um significativo risco que a democracia na América resultar em um despotismo que: (a) não atormentaria seus cidadãos, mas os degradaria; (b) se comportaria mais como um mestre-escola que um tirano – paternalista, mantendo a sociedade infantilizada para sempre; (c) governaria para a felicidade de todos, mas outorgando-se o direito de definir o que é felicidade – buscando tirar das pessoas o inconveniente de pensar e a dor de viver.
O antídoto para tal despotismo repousaria: (a) nos valores religiosos, (b) na descentralização da administração – força do governo local, (c) na independência do sistema judiciário, (d) no vigor das associações políticas e civis, (e) em resguardar os procedimentos que controlam o poder dos governantes, e (f) em proteger os direitos individuas a todo custo.
Democracia não é uma panaceia, seu sucesso ou fracasso repousa sobre a grandeza do espírito, intelecto e coração das almas da sociedade que a adota.
Os partidos políticos, como os conhecemos hoje, estavam apenas no início de sua formação nos EUA visitado por Tocqueville – partidos políticos não são nem mencionados na Constituição. A visão tradicional de partidos políticos (Atenas, Dante Alighieri, James Madison – Federalistas nº10) sempre fora negativa, sinônimo de facção e conflito – grupo de pessoas fervorosas por uma causa e não o bem geral da comunidade.
Tocqueville compartia a opinião do malefício dos partidos políticos, apenas distinguindo entre grandes partidos (formados com uma base filosófica) e pequenos partidos (focados mais na vitória que na convicção): os primeiros contrariam e dividem a sociedade, e os últimos a agitam e degradam. Mas também entendia que o mundo movia-se inexoravelmente em direção ao sistema democrático, no qual os partidos políticos são uma realidade.
O autor encontrou apenas partidos pequenos nos EUA, sem uma crença política, mais preocupados com as consequências e não princípios, com particularidades e não generalidades, mais focados em pessoas do que em ideias, e violentos no discurso e tímidos no agir – “always become heated in a cool way”.
As armas dos partidos políticos eram: a imprensa e as associações. Ambas fundamentais para a democracia, mas também potencialmente destrutivas.
Tocqueville criou a palavra individualismo. Reconhecendo a importância do indivíduo, o autor alerta para a tendência de isolamento (retirada da esfera pública – prejudicial à democracia) numa sociedade igualitária – apenas na esfera privada alguém poderia sentir-se “especial” (criando pequenos círculos sociais).
O individualismo de Tocqueville difere de egoísmo, enquanto este é instintivo, aquele é uma atitude (erroneamente) pensada, uma deficiência de julgamento e não uma perversidade do coração. Enquanto o egoísmo destrói todas as virtudes, o individualismo, a princípio, prejudica as virtudes da vida pública, mas ao longo prazo pode descair no egoísmo.
A igualdade democrática leva as pessoas a esquecerem seus ancestrais, perderem de vista seus descendentes e afastarem-se de seus semelhantes – caindo no isolamento de seus corações solitários. Este isolamento e afastamento da vida pública fomenta o despotismo – nada melhor para um déspota que uma sociedade atomizada onde as pessoas não conseguem se comunicar, e não se envolvem nos assuntos públicos – o sucesso da democracia demanda que as pessoas falem, entre si e na esfera pública.
Quanto mais as pessoas se preocupam exclusivamente com seu bem-estar material, ou sentem-se independentes economicamente, mas afastam-se da vida pública, suscitando a centralização administrativa e um estado paternalista, sugando toda a energia remanescente para a vida pública.
O antídoto para individualismo é a descentralização do poder (cidadãos agindo localmente e aprendendo a depender uns dos outros), participação em associações políticas e civis, e a prática religiosa (frequentar a missa, participar das atividades da congregação).
Tocqueville identificou na América uma sorte de materialismo que o perturbou – em uma democracia, onde há igualdade de condições, as pessoas têm um anelo pelo conforto material. Enriquecer é uma forma de destacar-se na multidão. As pessoas querem sempre mais, pois tem sempre alguém mais rico que elas. A maioria dos que enriqueceram na América eram pobres, e ficaram intoxicados com os pequenos prazeres materiais. Tocqueville encontrou na América uma sociedade febricitante, sempre em movimento – o desejo de enriquecer fomentou a indústria e comércio (formas mais rápidas de enriquecimento).
Esta paixão pelo ganho material traz uma série de riscos – materialismo é sempre negativo e perigoso, particularmente na democracia:
(a) Colocar as pessoas nas mãos daqueles que prometem satisfazer tal paixão; (b) Desejar exacerbadamente ganhos materiais leva ao abandono do self-interest well understood – ignorar a conexão entre o benefício individual e o coletivo;
(c) Considerar as obrigações políticas indesejáveis, pois seriam contraditórias ao seu interesses próprio; (d) Receio de anarquia (anarquia é ruim para os negócios) pode fortalecer a posição política dos ambiciosos que tiraria proveito da situação – uma nação que demanda apenas ordem do governo já está escravizada.
O desenvolvimento da indústria poderia levar a criação de uma aristocracia (não necessariamente uma plutocracia no poder) na América através do crescente distanciamento entre patrões e empregados (distanciamento cívico, não convivem próximos). Com o afastamento os ricos tenderiam a deixar para o governo o trabalho da caridade, levando a centralização administrativa.
Estes riscos podem ser mitigados através da (a) prevalência do self-interest well understood, (b) limitando a paixão materialista, e, principalmente, (c) a supremacia dos valores religiosos (querer o melhor neste mundo sem arriscar a presença no além) – para Tocqueville pode haver um materialismo honesto que não corrompe as almas.
Notas
Alexis de Tocqueville (1805-1859) nasceu em Paris, França. Aristocrata, licenciado em leis e membro da legislatura francesa.
Ainda jovem Tocqueville conclui que o mundo caminhava inexoravelmente para o sistema democrático, e viu a América mais avançada nesta direção que as demais nações.
Em 1831 Tocqueville e seu amigo Gustave de Beaumont (1802-1866) empreendem uma viagem de dez meses pelos EUA sob a missão oficial de estudar o novo sistema penitenciário americano. Retornando a França começa a escrever Democracia na América.
Escrita para o público francês, a obra tinha por objetivo apresentar os aspectos da democracia nos EUA que poderiam ser úteis à democracia francesa, enfatizando a necessidade adaptar a experiência americana à cultura, história, geografia e particularidades locais, bem como aprender com os erros americanos. O modelo democrático de um país é único e não deve ser simplesmente exportado à outra nação.
Os dois volumes de Democracia na América foram publicados na França em 1835 e 1840. O primeiro volume foca mais na política, e o segundo dá mais atenção aos aspectos sociais.
John C. Spencer (1788-1855) hospedou Tocqueville in Canandaigua (NY) e foi relevante em sua educação sobre a América. Spencer foi o primeiro editor de Democracia nos EUA.
Tocqueville não relaciona suas observações as pessoas com as quais conversou. Muito do que ele escreveu é repetição de comentários ouvidos de seus interlocutores, muitos deles brilhantes (como os de John C. Spencer).
O autor observa que a paisagem do norte apresenta um aspecto grave, sério e solene, aparentemente criado para o domínio da inteligência. Ao passo que a paisagem sulista parece dedicada ao prazer sensual. Interessante comparação entre as paisagens temperada e tropical, e seu efeito sobre as pessoas.
Para o autor ainda havia alguns aspectos “aristocráticos” (no sentido de privilégio) na América, e.g. Tocqueville entendia que o sistema de multa e fiança favorecia os mais ricos que podiam arcar com a despesa.
Tocqueville impressionou-se em encontrar uma nação de leitores, mesmo na mais simples moradas ele notava a Bíblia, talvez uma peça de Shakespeare, e sempre um jornal.
Surpreende a previsão de que no século seguinte (século XX), o mundo teria duas superpotências: EUA e Rússia. Sendo que a luta da primeira seria domar a natureza, tornando-se uma nação livre; e a segunda precisaria domar seu povo, transformando-se numa nação de servidão.
Tocqueville observa que as mulheres, apesar de não votarem, eram ativas nas discussões públicas – “formavam clubes aos invés de irem ao teatro”.
Os primeiros partidos americanos após a revolução concordavam na maioria dos aspetos essenciais e não visavam destruir o rival: (a) os Federalistas desejava controlar o poder popular, eram minoria mas concentrava a maioria dos heróis da Revolução, e, felizmente, comandaram a nação em seus primeiros anos; (b) os Republicanos desejavam estender o poder popular, e chegaram ao poder com Jefferson em 1801.
Tocqueville discute o problema entre descendentes de europeus e a população indígena extensamente, mas impregnado da distorcida visão iluminista: (a) critica os europeus por submeter ou destruir outros povos, mas não indica que todos os povos fizeram ou ainda faziam o mesmo (e.g. tribo viviam guerreando e destruindo-se mutuamente, Aztecas escravizavam e sacrificavam membros das tribos menores, os negros eram caçados, presos e vendidos por outros negros); (b) associa o índio americano ao despautério do ‘bom selvagem’ rousseauniano. Naturalmente Tocqueville abominava a escravidão, especialmente após o advento de Cristo – a escravidão é incompatível com o Cristianismo. A escravidão degrada escravos e senhores.
Para Tocqueville, a natureza política do fundador e textos sagrados do Islã impedem que esta religião seja a base para uma sociedade democrática e iluminada.
Em nenhuma outra nação a instituição do casamento era tão respeitada quanto nos EUA visitado por Tocqueville.
Até os americanos mais revolucionários respeitavam a moral cristã.
O Catolicismo é visto por Tocqueville como fundamentalmente alinhado com os valores e hábitos democráticos (Protestantismo é mais independente, mas menos igualitário que o Cristianismo).
Via de regra, Tocqueville entendia a educação e cultura americana com ampla mas rasa. O carácter prático do americano exerceria influência sobre as artes, e tornava-os mais interessados em tecnologia que em ciência. (Pragmatismo como corrente filosófica que prega que a validade de uma doutrina é determinada pelo seu bom êxito prático só surge no final do século XIX com Charles Sanders Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910))
Tocqueville observa que a busca por lucro provocou a queda de qualidade nos relógios – mais baratos, mais acessíveis, grandes quantidades.
O historiador europeu (de carácter aristocrático) enfatiza os indivíduos como motor da história, e o historiador americano (de carácter democrático) tende a identificar causas gerais e impessoais por trás das mudanças históricas – Tocqueville advoga por uma visão que englobe ambas formas de estudar a história.
Tocqueville lamenta o fim da aristocracia, e.g. democracia acabaria com o conceito de honra.
Comments