Personagens Principais Virgílio – maior poeta romano
Personagens Secundárias Otaviano ou Augusto – sucessor de Júlio César, primeiro imperador romano Menino – entidade espiritual (a consciência de Virgílio) Escravo – entidade espiritual (anjo) Lúcio Vário – poeta e amigo de Virgílio Plócio Tuca – poeta e editor de Virgílio Charondas de Cos – médico
Interpretação O livro narra, em terceira pessoa (de forma ficcional), as últimas dezoito horas da vida do poeta Virgílio, o maior poeta romano que viveu no momento que a República transformava-se em Império. Augusto havia solicitado a Virgílio uma história que enobrecesse a origem de Roma – esta será a história contada na Eneida (aventuras de Enéas, vindo de Troia, na fundação da cidade – helenizando os romanos). Assim Virgílio refunda de forma mitológica a origem de Roma dando-lhe uma epopeia como as de Homero, e naturalmente enaltece a figura de Augusto como produto de todo este processo.
À beira da morte, Virgílio decide queimar a Eneida que considerava incompleta (fato real – pedido feito aos seus amigos). Demonstra amargura com a poesia, e o que ela representou na sua vida. Está infeliz em voltar para a Itália, a qual associa a sua morte (estava antes em Atenas tentando recuperar a vida). Com a perspectiva da própria morte enxerga um tremendo vazio nas pessoas e modo de vida ao seu redor e vê na ufanista Eneida uma mentira existencial. Sente-se derrotado e merecedor dos insultos que sofre na subida de uma ruela em Brindisi. A Água (elemento que dá título a esta primeira parte) aqui representa a perda da forma, a perda da forma da poesia, perda da forma daquilo que pensava ter sido a sua existência.
Na segunda parte faz uma autêntica descida ao inferno (Fogo – a descida) enquanto passa uma agonizante noite em claro lutando contra suas memórias. Descida aos infernos (aqui entrar em contato com a realidade nua e crua da sua existência real) como processo iniciático para ir aos Céus. Relembra que tentou várias profissões, mas acabou poeta, e considera que todas as profissões buscam a vida, enquanto o poeta busca a morte. A poesia seria incapaz de produzir o conhecimento da vida real e, portanto, incapaz de produzir a salvação da alma. Entende sua obra como irreal, um perjúrio, e sua existência como perdida. Sente que não tem o Ramo Dourado necessário para salvar sua alma na descida ao Hades, pois a poesia que praticou não teve valor, estando mais associada à vaidade do que à consciência. A arte não teria nenhum valor, se perde com o simbolismo daquilo que representa, simbolismo este que a projeta para outro patamar. A beleza em si própria, sem comunhão com a existência humana, com o sentido da vida, não tem valor e está associada à morte e não à vida (linha platônica para quem o artista é um imitador de uma imitação – um falsificador do falso).
A viagem iniciática segue com Terra – a expectativa, onde Virgílio vislumbrará a chance de salvar a sua alma. Busca o reencontro da palavra com a vida, dar um sentido a arte que a beleza apenas não produz. A verdade não está nas aparências. A única possibilidade de a arte reencontrar realidade, da consciência reencontrar a realidade, dela fazer sentido é se estiver relacionada à ideia do Amor (no sentido de dedicação a alguma outra coisa, compromisso de adesão – dando ao texto um sentido cristão). Voltar à vida só será possível para aqueles que se responsabilizarem por alguma coisa. Só tem valor na vida humana aquilo que de alguma maneira implica na missão da sua vida, associado a suas raízes, origens, todo o resto é ilusão. Com o amanhecer de um novo dia (depois da agonizante noite) nasce também a esperança. Sente que a revelação está em toda parte. Ao perceber o que deve fazer sente-se livre do Inferno e de retorno a Terra. Entende que há dois reinos: um Espiritual e outro Material (conceito estranho aos romanos onde a figura de César também compreendia o poder sacerdotal). A única lei que interessa é a lei do coração. O amor pode até começar com a atração pela beleza, mas o verdadeiro amor transcende a materialidade alcançando a comunhão das almas (lembra O Banquete de Platão). Advoga pelo conhecimento novo, que contém a sabedoria do coração, conhecimento que não vê na sua época. O símbolo transcendental é mais perene que a própria Roma (a maior grandeza material – “Roma, cidade eterna”). Para Virgílio a Idade de Ouro viria com a espiritualidade que “o menino” traria (ver Bucólica IV), mas para Augusto a Idade de Ouro era a grandeza de sua Roma corporativa – o Estado Romano é a finalidade absoluta. Virgílio profetiza simbolicamente o advento do Cristianismo e morre.
Finalmente, na quarta e última parte, Éter – o retorno, Virgílio chega aos Céus depois de um processo de desencarnação. A morte iniciática representando um renascimento tanto para Virgílio quanto para o conhecimento.
Grande obra sobre o advento do Cristianismo. A tensão entre a consciência individual e a coletiva é o mecanismo fundamental da construção do mundo moderno.
Notas
Hermann Broch (1886 – 1951) escreveu pouco e é pouco lido. Convertido do judaísmo ao catolicismo ainda muito jovem. A Morte de Virgílio, escrito em fluxo de consciência, é sua grande obra, escancaradamente cristã.
A Áustria e a Bavária são fundamentalmente nações cristãs.
Viena foi transformada pelo Império Austro-Húngaro no início do século XX numa Florença moderna, atraindo uma miríade de intelectuais e artistas.
Herbert Caro é um grande tradutor do alemão, traduziu Thomas Mann no Brasil.
Virgílio era um conselheiro direto de Otaviano. Tinha fama de fazer previsões acertadas. A história se passa em 19 a.C.. Morreu em Brindisi (aos 51 anos e riquíssimo) e foi enterrado em Nápoles.
Na Bucólicas IV Virgílio prevê uma nova idade do Ouro com o advento de um menino – antevendo o Cristianismo. Com isso Virgílio será sempre relacionado ao Cristianismo sem nunca ter sido cristão.
Os romanos eram puristas e moralista (basta lembrar que o estoicismo foi a filosofia mais adotada), a devassidão veio apenas na sua decadência, lembrando que Roma durou mil anos.
O Ramo de Ouro (The Golden Bough) como elemento a ser trazido na descida ao Hades representa uma força espiritual necessária para enfrentar os momentos mais difíceis. A perda deste sentido simbólica cai no positivismo bárbaro do qual o mundo moderno é fruto.
Deus envia Cristo à Terra apenas quando o Império Romano estava formado, criando assim a chance de seus ensinamentos se dispersarem. Portanto Augusto tinha uma missão, enfatiza Virgílio. Assim, também era preciso a recusa judaica de Cristo, povo étnico-centrado que impossibilitaria a expansão do cristianismo.
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