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A Guerra Contra a Inteligência (Seminário Olavo de Carvalho)



Não é novidade que o QI médio da população brasileira vem caindo com velocidade alarmante. Nem que os nossos estudantes tiram sistematicamente os últimos lugares nos testes internacionais. Nem que entre os alunos diplomados que as universidades despejam anualmente no mercado 50 por cento são analfabetos funcionais.


Mas a inteligência humana tem a peculiaridade de que, ao contrário do dinheiro e da saúde, quanto mais a gente a perde menos dá pela falta dela. Daí que a inépcia endêmica cresça pari passu com a incapacidade de percebê-la em tempo de corrigi-la. Se as classes dirigentes e opinantes conservassem um pouco da perspicácia que tinham em outras épocas, a crise da inteligência nacional, tal como observada sobretudo entre os estudantes, seria objeto de preocupação extrema e debates acalorados no Parlamento, na mídia e nas universidades. Se nesses meios reina, ao contrário, o silêncio da indiferença, é precisamente porque a imbecilização crescente não afeta somente as novas gerações ou as classes populares, mas já subiu aos altos escalões e domina soberanamente os destinos da nação, cada vez mais desarmada ante um panorama mundial superior à sua compreensão.


Num breve exame das causas mais próximas desse estado de coisas, temos como a primeira a total instrumentalização da vida cultural, posta maciçamente a serviço de uma facção partidária que exerceu à vontade, durante quarenta anos, o direito de excluir, boicotar e calar os que não se alinhassem com as suas metas estratégicas, sacrificando, nisso, justamente os melhores e promovendo toda sorte de nulidades politicamente convenientes. Escritores, jornalistas e pensadores de primeiríssima ordem, como Antonio Olinto, Gustavo Corção, Nicolas Boer, Paulo Mercadante, Antonio Paim e muitos outros simplesmente desapareceram da mídia dita “cultural”, substituídos por palpiteiros e cabos eleitorais.


A segunda causa, solidária com a primeira, foi a burocratização da vida intelectual, privada de sua criatividade espontânea e submetida aos interesses corporativos do establishment universitário.


A terceira, síntese e superação das outras duas, foi mais complexa. Em toda sociedade coexistem, de maneira mais ou menos autônoma, vários critérios de julgamento do valor dos seus membros. A religião, a fama, a riqueza, os altos postos na hierarquia governamental, empresarial e militar, a moralidade convencional, as realizações na esfera da alta cultura, etc. Nas últimas décadas, por toda parte mas especialmente no Brasil, duas modificações drásticas aconteceram nesse sistema de escalas. De um lado, a identidade ideológico partidária, que era um fator neutro, se tornou um dos critérios principais. De outro, a alta cultura simplesmente perdeu seu poder valorativo e se tornou subordinada aos outros critérios. Na mesma medida em que os comunistas e seus associados subordinavam a vida cultural aos seus interesses políticos mais imediatistas e oportunistas, do outro lado do espectro político as produções da alta cultura começaram a ser julgadas pela sua “contribuição ao desenvolvimento”, pelo seu sucesso de mercado e pelo seu valor como símbolos de status. Então cumpriu-se, com mais clareza do que em qualquer outro país, a profecia de Nietzsche: “Se acreditamos que a cultura deve ter uma utilidade, logo começamos a confundir a utilidade com a cultura.” Pior: utilidade, no caso, não para a população em geral, mas para grupos interessados em promover, seja a política socialista, seja a economia liberal. Num país em que o amor ao conhecimento já era antes uma exceção do que a regra, a cultura foi reduzida à mais baixa condição de serva e capacho.


 A essas três causas deve acrescentar-se, como efeito delas, a degradação do sistema de ensino, instrumentalizado em idêntica proporção e posto a serviço dos interesses mais mesquinhos de grupos e panelinhas, não só adotando metodologias destrutivas e imbecilizantes — só para a glorificação midiática de seus criadores —, mas subordinando-se até mesmo aos desejos e fantasias sexuais de professores ególatras e imaturos.


Não há um só brasileiro cujo desenvolvimento intelectual não tenha sido gravemente prejudicado por esse concurso de fatores, ou concurso de horrores.


 

As origens da guerra contra a inteligência

Diversas correntes e mecanismos estão postos em ação hoje em dia, e desde há pelo menos 200 anos, para deprimir a inteligência humana e se possível suprimi-la. Tudo o que nós chamamos sistema de educação tem se destinado precisamente a isso desde há muito tempo, e muito do que nós imaginamos como alta cultura tem apenas este objetivo.


Todo ser humano se considera inteligente até certo ponto, apegando-se de algum modo à inteligência pois não há outro farol de orientação na vida. Não adianta confiar no instinto. nem nas ordens superiores, nada disso vai resolver o seu problema. Sempre será preciso usar a inteligência de algum modo para tentar se orientar nas diversas situações. Mesmo que você pretenda, por exemplo, seguir uma autoridade, seguir um líder ou religião, você ainda vai precisar da inteligência para entender o que ele está dizendo e para saber se você está seguindo corretamente ou não.


No entanto, as forças principais da nossa civilização se voltam contra a inteligência humana e não é de hoje. Muitas más ideias se impregnaram de tal modo na nossa cultura que elas nos parecem naturais. Uma delas é de que nós não conhecemos a realidade, nós conhecemos apenas fenômenos ou aparências das coisas, e que na verdade o mundo (supostamente) real é muito diferente daquilo que nós vemos.


Pode-se datar a origem desta ideia com filósofo escocês David Hume (1711-1776) e suas objeções cépticas quanto à possibilidade do conhecimento, para depois afirmar que precisamos crer no conhecimento porque isso nos é ensinado pela tradição e nós não podemos viver sem isso – com a crítica da razão, Hume está fazendo a apologia da tradição e da obediência e do hábito (muitas ideias que não podemos provar se impregnam em nós pelo hábito, e precisamos delas, embora não elas tenham fundamento racional).


A crítica de Hume ao conhecimento humano causou profunda impressão no filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) que não se conformou com aquela conclusão negativa e achou que ele tinha que encontrar um novo fundamento para o conhecimento. Sobretudo preocupou-se com o paradoxo entre a impossibilidade do conhecimento racional de Hume, e o conhecimento racional que encontrava nas obras do polímata inglês Isaac Newton (1642-1726) – se Hume tem razão, como é possível a física de Newton? Tentando localizar um novo fundamento para a credibilidade do conhecimento científico Kant acredita descobrir que esse fundamento não está na objetividade do conhecimento, no fato de que ele reflete a realidade das coisas, mas ele estaria dado na própria estrutura da razão humana. Essa estrutura se define por uma série de precondições do nosso conhecimento, algumas dessas precondições determinam o formato do nosso conhecimento racional e um outro conjunto de precondições determina o formato da nossa percepção sensível – categorias da razão e categorias da percepção sensível – sendo que fora dessas categorias nós não conhecemos absolutamente nada.


Estas categorias diriam respeito ao nosso modo de conhecer e não à realidade do mundo, de onde ele conclui que nós só conhecemos aquilo que chega a nós no formato adequado da nossa estrutura de percepção ou da estrutura da nossa razão – as condições a priori (condições já estabelecidas na mente que moldam e limitam o conhecimento, e que são iguais em todos indivíduos da espécie). Daí a famosa conclusão kantiana de que nós não conhecemos as coisas em si mesmas, mas apenas a sua aparência fenomênica (os dados externos, que não refletiriam a estrutura real das coisas, mas apenas o nosso modo de conhecer). Um exemplo desta proposição seriam a diferença entre ondas sonoras captadas pelos humanos e os cães, pois as duas espécies têm diferentes formas a priori para captá-las.


Portanto, todo o nosso conhecimento seria apenas uma vasta coleção de aparências da qual nós não podemos saber se é real ou não. Nós podemos saber apenas se ela é adequada ao estado atual dos conhecimentos científicos, assim, a ideia de realidade fica substituída pela ideia de um consenso científico. Ou seja, já que todos os seres humanos pensam mais ou menos igual (temos as mesmas categorias a priori), então, se os mais inteligentes dentre nós concordam com tal coisa, essa coisa deve ser assim, não porque nós tenhamos meio de verificá-la na realidade, mas simplesmente porque corresponde ao estado atual dos nossos conhecimentos.


A consequência imediata do kantismo é que nenhum de nós pode jurar que aquilo que ele enxerga, que aquilo que ele conhece, é realidade (“síndrome do Piu-Piu”). E a única autoridade que decide se o nosso conhecimento é verdadeiro ou não é um consenso científico – entre o indivíduo e a realidade se interpõe a classe científica como o guardião do portal. A partir daí impregna-se gradativamente na sociedade a ideia de que a ciência estabelecida, a classe científica, é o único árbitro em todas as questões possíveis.


Obviamente esse consenso não existe, porque a todo momento aparecem novas teorias desmentindo outras teorias e assim por diante. Praticamente não existe nenhuma teoria científica, nenhuma que não tenha sido contestada vigorosamente por outros cientistas. Por exemplo, a maioria da população acredita que a teoria da relatividade do Einstein está provada, porém existem muitos cientistas que não acreditam, mas suas críticas não são incorporadas na visão pública da ciência, embora façam parte do patrimônio da ciência.


Praticamente não há nenhuma certeza pública fundada na autoridade da ciência que não seja contestada dentro do próprio campo da ciência. De modo que nós temos que distinguir duas coisas: uma coisa que é a prática científica real envolvendo milhões de profissionais do mundo inteiro, e outra coisa que é a imagem pública da ciência. Não por coincidência que Richard Dawkins (1941- ) seja catedrático de imagem pública da ciência, ele sempre se apoia nesta imagem pública como fundamento dos seus argumentos. Mas evidentemente esta imagem pública é sempre enganosa, pois praticamente não existe nenhuma teoria científica que tenha sido provada de uma vez para sempre Existe apenas aquelas aceitas pelo consenso, e que passando pelo sistema de educação vale como um substitutivo adequado da realidade, e.g. Teoria da Evolução.


Essa linha de pensamento inaugura uma nova corrente, o positivismo formulado pelo filósofo francês Augusto Comte (1798-1857) – um kantismo adaptado. Comte também parte do princípio de que só as ciências, tal como conhecidas no mundo moderno, fornece um conhecimento adequado da realidade. Não quer dizer um conhecimento real, não quer dizer um conhecimento verdadeiro, mas um conhecimento adequado. Então o conceito do adequado substituiu o conceito do verdadeiro, que nos seria inalcançável.


O efeito que isso desencadeia nas mentes das pessoas, especialmente dos estudantes, é absolutamente devastador. Porque a partir daí tudo começa a ficar móvel, você jamais poderia ter uma certeza adequada do que quer que seja. Mas por outro lado, Kant era um sujeito religioso, e dizia que tudo aquilo que nós não podemos conhecer, nós temos que aceitar pela fé. E se você pergunta por que, ele diz que é um imperativo categórico, ou seja, “é assim porque sim”. Aí foi cavado um abismo intransponível entre o que é matéria de fé e o que é matéria de conhecimento.


Segundo Kant tudo aquilo se refere a Deus, como a vida após a morte, são coisas que podemos pensar, mas não podemos conhecer. E embora não possamos conhecer, nós temos que crer. Todo o conceito atual de ciência e fé que aparece nas discussões públicas, na mídia cultural ou popular, é baseado nessa distinção kantiana entre o que é conhecimento e o que é fé. No fundo é o mesmo argumento de Hume: há coisas que nós não podemos conhecer, mas nós temos que conhecer porque sem elas nós não podemos viver – onde Hume colocava o poder da tradição e do hábito, Kant coloca a autoridade da fé. Então existiria por um lado a autoridade do irracional e por outro lado a falta de autoridade do racional que é substituída pela autoridade do consenso científico, o qual por sua vez não existe.


O que pode acontecer com a mente de alguém educado neste sistema? Qual seria a diferença entre uma pessoa inteligente e um idiota se os dois dependem de um consenso externo igual para ambos, e se os dois só podem se apegar a uma fé irracional, na qual você tem que acreditar “porque sim”? A partir daí o conceito da inteligência como capacidade de penetração na realidade e de expressão dessa realidade está acabado uma vez por todas. Mais ainda, o conceito científico é móvel, de ano para ano as teorias se trocam e às vezes elas nos colocam num beco sem saída, e.g. a física quântica começa no materialismo termina no imaterialismo total.


A partir daí, a inteligência só pode ser medida em termos de certas capacidades que são prezadas pela classe científica, e.g. o indivíduo tem o raciocínio verbal, raciocínio espacial, raciocínio geométrico, raciocínio matemático, inteligência emocional, etc.. Mas, exatamente como as partículas quânticas, podemos medir estas capacidades, mas não sabemos o que elas são. Se não há uma realidade objetiva pela qual você possa testar o seu conhecimento e dizer isso é verdadeiro e aquilo é falso, então a inteligência é apenas uma capacidade operativa, porque os resultados não significam absolutamente nada.


Todo mundo está sendo educado nesta base hoje em dia. O que se mede por um teste de QI não é efetivamente a inteligência, mas apenas alguma dessas operações consideradas em si mesmas, separadas das outras, independentemente do seu resultado real. Por exemplo, o sujeito pode ter um raciocínio verbal extraordinário, mas ele jamais é capaz de usar esse raciocínio verbal para compreender qualquer coisa real. Mas inteligência é exatamente a capacidade de apreensão e expressão da realidade – um conceito infelizmente ausente na presente cultura.


Um pouco mais tarde, o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) surge com tendência oposta à de Kant e Comte, afirmando resolutamente a nossa capacidade não só de conhecer o real, mas de conhecer o trajeto todo do real na história efetiva humana. Ou seja, um diz que nada podemos conhecer além de aparências, e o outro diz que nós conhecemos tudo, pelo menos eu (Hegel) conheço tudo, entendi todo o percurso da história humana e sei onde ela vai terminar. Dessas duas tendências aparecem os pilares do pensamento moderno: positivismo e marxismo – positivismo é a verdade de Kant-Comte e marxismo é a verdade de Hegel.


Só o fato de haverem duas correntes como estas influindo na nossa educação já causa um transtorno terrível: uns não têm conhecimento de nada a não ser das aparências, outros já têm o conhecimento de tudo, inclusive do futuro da humanidade. Metade da humanidade se empenhou em realizar o sentido da história, tal como Karl Marx (1818-1883) havia explicado e para isso mataram centenas de milhões de pessoas, e para se opor a esta monstruosidade se tem apenas o Kant dizendo que o homem não pode conhecer nada, a não ser as aparências, colocando-o nas mãos da classe científica.


Desde de seus primeiros escritos a proposta marxista subjuga a casta bramânica (classe espiritual e intelectual), elimina os vaíxas (poder econômico), e concentra o poder nos xátrias (Partido) com intransponível distanciamento do resto da população (sudras – povo). Como ninguém viu que isto só poderia descambar numa ditadura totalitária quase impossível de ser derrubada? E como pessoas que conhecem a história da desgraça provocada pelo regime comunista em todos lugares que foi implementado ainda não chegaram a esta conclusão? A resposta está na educação no mundo kantiano, que mantém todos em dúvida eterna apesar da realidade esfregada em suas caras; e também no complexo de deus marxista onde a conclusão do mundo já está dada, e tudo que ocorre de errado seria mera etapa dialética. Para os kantianos só há perguntas sem respostas, e para os marxistas não há respostas porque não há espaço para perguntas. São as duas maneiras básicas de fugir da realidade concreta: o modo marxista, imaginando já saber como tudo vai terminar e ignorar qualquer argumento contrário; e a maneira kantista de crer não poder saber nada, só podendo conhecer as aparências.


Ambas correntes consagram todo poder aos intelectuais marxistas e científicos. A mídia faz parte da intelectualidade e traz a imprecisão da percepção kantiana para a linguagem. As palavras perdem sentido semântico, deturpadas e revestidas de emoções impostas pela mídia autoproclamada como autoridade de consenso. A incapacidade de apreensão da realidade elimina a base pela qual se possa aferir a linguagem, e.g. a palavra “fascista” é tudo menos a descrição dos adeptos do ideário socialista nacionalista de Mussolini.


Existem filosofias inteiras construídas com base na ideia do consenso. O alemão Jürgen Habermas (1929- ) é um destes filósofos para quem consenso é tudo. O psicólogo teuto-americano Kurt Lewin (1890-1947) criou a engenharia do consenso, i.e. a sutil manipulação da reunião de um grupo de pessoas para que cheguem a determinadas conclusões (psicoterapia de grupo, grupo de discussões, etc), desde então o número de procedimentos que existem para você gerar consensos só aumentou (ver Maquiavel Pedagogo de Pascal Bernardin). Tudo é formação de consenso, tudo é engenharia comportamental que não torna as pessoas mais inteligentes, ao contrário apenas destina as pessoas a se comportarem de uma determinada maneira aprovada pelo consenso – em nenhum momento o conhecimento da realidade é exigido, aliás, ele é dificultado.


Toda a educação está assim hoje. As pessoas não apenas se acostumaram a não ter uma inteligência capaz de apreender a realidade, como até acham que isto seria uma pretensão excessiva. As ideias vigoram exatamente como na discussão científica, todas as ideias são provisórias, e você nunca pode chegar a uma conclusão sobre nada. E aquele que desvia do consenso imposto é logo xingado de “negacionista”, com toda a carga emocional que a mídia inseriu no vocábulo.


O limite da ciência e o aviltamento da filosofia

Cada ciência só pode estudar os seus objetos recortados e separados de todos os demais, e.g. uma determinada espécie animal é estudada isolada das demais – ela tem que ter um conceito descritivo próprio para distinguir-se das outras e ser estudada especificamente. Isso quer dizer que nenhuma ciência estuda nenhum objeto concreto e real, ou seja, o objeto que chega a nós acompanhado de todos os acidentes que o tornam possível. Na vida real tudo que chega até nós vem acompanhado de uma infinidade de acidentes que não tem nada a ver com a natureza do evento, mas sem os quais ele não poderia acontecer. Esse é o conhecimento real que nós temos das coisas. Isso é o que nós chamamos a realidade concreta. Concreta vem do concretus, quer dizer, coisas que crescem juntos. Não tem nada que ver com a outra, mas cresce junto.


Mas o primeiro procedimento de qualquer ciência a estudar o seu objeto é separá-lo da acidentalidade para ele corresponder a um conceito unívoco, i.e. um conceito que significa a mesma coisa para todos os estudiosos da área. Esse conceito separado não existe, não corresponde a uma realidade concreta, corresponde apenas àqueles aspectos específicos que interessam àquela ciência, e que só são conhecidos por abstração. Desde pequenos somos levados pelas várias disciplinas científicas a estudar coisas que não existem, e nunca a perceber a realidade concreta e expressá-la de forma veraz.


Tomás de Aquino dizia que as ciências têm três tipos de objetos. Primeiro tem o seu objeto material. Segundo tem o que se chama seu objeto formal, ou seja,  o ângulo pelo qual você vai estudar esse objeto (e.g. a zoologia e a pecuária estudam as vacas sob um ângulos completamente diferentes). Mas além do objeto formal, existe uma outra divisão que os escolásticos distinguem, objeto formal motivo e objeto formal terminativo: objeto formal motivo corresponde ao ângulo pelo qual você vai estudar o objeto, e o terminativo corresponde a finalidade última (a pergunte específica) do estudo em referência – além de escolher o ângulo pelo qual você vai encarar o objeto, você tem que escolher qual é a pergunta final que você quer responder. Com isso você vai separando o objeto da sua concretude e tornando-o amoldável a um estudo científico.


A identificação do objeto formal é complexa, sendo A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale exemplo disto. Até então havia três correntes na definição do Direito: (a) o Direito como justiça, como valor moral; (b) o Direito como aspecto sociológico resultado de uma dada sociedade e de sua determinada situação histórica; e (c) o Direito normativo definido pelo alemão Hans Kelsen (1881-1973) no qual a justiça é desprovido de valor moral, mas apenas um sistema de normas (mesmo que partido de premissas arbitrárias). Miguel Reale articulou as três correntes, definindo o Direito pela fusão inseparável desses três aspectos. Exemplo de que o campo de uma ciência não aparece pronto. ele depende de uma série de procedimentos abstrativos de separação e identificação de seu objeto de estudo – e esse objeto cientificamente estudável não é um objeto da experiência real e concreta.


Tudo chega a nós entremesclado de aspectos acidentais que não têm nada a ver com a essência do fenômeno, a essência do objeto, mas sem os quais ele não poderia existir. E nós cada vez mais somos convidados a esquecer isto e focar a nossa atenção só naqueles objetos já formalizados para o estudo em determinada ciência – nós simplesmente saímos da realidade e vivemos no mundo do consenso científico.


Sem a apreensão da realidade é difícil testar os seus conhecimentos, fica-se restrito ao teste de sentido científico que já não se referem aos objetos reais. Esta limitação da ciência é intransponível, as tentativas interdisciplinares esbarram no fato de que vários recortes abstrativos não compõem uma realidade concreta. Quanto mais o ensino da ciência se aprimora, mais esses problemas aparecem e os cientistas acabam percebendo que ele não sabe do que ele estão falando. Isto fica claro junto aos praticantes da física quântica que conseguem medir e descrever o fenômeno mas nada explicam dele, ficando apenas na aparência do fenômeno. A realidade concreta não pode estar no fim do estudo científico, mas tem que estar na origem dele. Porém, atualmente, nenhum cientista, na medida que vai recortando o objeto da sua ciência, volta a referi-lo à realidade concreta inicial para não se perder nas abstrações.


Este retorno a realidade concreta seria uma das tarefas fundamentais da filosofia. Mas a filosofia também busca tornar-se uma ciência. Há dois tipos de filosofia científica: (a) a filosofia marxista que imagina ter o domínio do trajeto completo da existência humana e da sua finalidade (i.e. o paraíso do proletariado) da qual tudo pode ser deduzido (e.g. a infame genética de Trofim Lysenko (1898-1976) que matou milhões de fome ao pregar o plantio próximo pois sementes da mesma classe não competiriam entre si); e (b) a filosofia positivista que descamba na armadilha do consenso científico de natureza provisória. Assim saiu de cena a noção de realidade, e com ela a noção de inteligência, sendo substituída pela ortodoxia marxista e sua fidelidade ao projeto global; e pela obediência e fidelidade ao consenso científico que apenas existe para consumo popular.


Estas duas correntes da filosofia dominam a mente contemporânea sob todos os aspectos, e são usadas para neutralizar a inteligência humana. Uma nos submete aos mandatos do Partido formado por um bando de intelectuais, e a outra nos submete ao consenso dos cientistas, que não passa de outro bando de intelectuais – tudo se reduz à obediência. Aquele que não segue a corrente é logo taxado de reacionário, traidor, negacionista ou fundamentalista. Tudo montado para instituir a obediência, e não desenvolver a inteligência.


Trauma de emergência da razão

A razão não pode ser confundida com a mera capacidade de raciocínio, nem com a capacidade lógica, pois nenhuma dessas duas ideias abrangem a totalidade do que entendemos por razão. Razão é a capacidade de perceber totalidades organizadas nas suas relações com as partes e das partes entre si. Portanto, a operação da nossa razão é limitada, pois ela só pode lidar com totalidades completas – a escala de infinito escapa do domínio da razão.


A razão é o único meio de orientarmos adequadamente a nossa conduta. Ela tem uma finalidade eminentemente prática através do controle de processos que consideramos ser de causa e efeito, ou seja, desempenha determinadas ações para obter um determinado resultado (é o que Max Weber chamava “ação racional segundo fins”). Fora da razão nós não temos absolutamente nada que possa nos orientar na conduta prática.


Já a intuição é apenas a percepção de uma presença, ela dificilmente poderá nos revelar algo que não esteja presente, sendo que esta revelação varia conforme o horizonte de consciência de cada um. A suposição de efeitos futuros de modo a orientar a ação é campo exclusivo da razão, a intuição apenas fornece os elementos que serão articulados racionalmente.


Todo ser humano nasce dotado da capacidade para a razão, porém, para se utilizar dela, precisará de uma série de recursos que têm de ser apreendidos da cultura e desenvolvidos através do aprendizado. Nascemos num mundo de adultos sem os conhecimentos necessários para operar num nível mais alto da razão – indefesos física e cognitivamente.


Não tendo ainda razão suficiente para explicar a si mesma o que está acontecendo e nem para se orientar no ambiente, a criança se apega a um “símbolo da razão”, que é um símbolo da ordem. No começo este símbolo tende a ser a mãe, que a ajuda a enfrentar o mundo desconhecido fora do ambiente perfeitamente fechado e protegido do qual foi retirado (esta busca pela ordem é muito mais onipresente do que os problemas ligados à sexualidade – como pretendem os freudianos). Posteriormente este símbolo da razão pode ser o pai, ou qualquer outra autoridade ou fator que lhe pareça normal e constante de modo que a criança possa contar com ele.


À medida que cresce, a criança vai aumentando seu raio de ação no espaço e, portanto, também no tempo. Todos os aparatos de que nos servimos para tornar nossa vida menos perigosa e mais confortável logo ao nascermos são criações da razão humana(e.g. nossa casa). Assim, à medida que se amplia a esfera de ação da criança, aqueles primeiros símbolos da razão já não serve mais (e.g. o primeiro dia na escola exige uma ampliação no sistema de referências da criança). Quando um símbolo da razão já não funciona mais ele pode ser substituído por um domínio racional efetivo ou por outro símbolo da razão.


As informações requeridas para o domínio da razão são ilimitadas e inabarcável em sua totalidade. Tudo o que nós chamamos de cultura é o conjunto dos dados que nós necessitamos para poder orientar as nossas ações de maneira racional nas incontáveis variáveis que se colocam diante de nós, daí a constante necessidade de nos apoiarmos na razão de terceiros.


A quase totalidade das operações racionais que realizamos confrontam um dado intuitivo imediato com um nexo qualquer que o articula a um outro fenômeno, a um outro estado de coisas que não se pode perceber diretamente. Por exemplo, se vemos uma mulher com uma barriga desproporcional logo imaginamos que ela está grávida


Mas na maioria dos casos a operação da nossa razão é deficiente, pois ninguém tem o controle racional de todo o conjunto do ambiente sujeito a toda sorte de imprevistos. O “medo do desconhecido” não passa de uma constatação da deficiência da nossa razão, i.e. não saber o que fazer diante de algo que não entendo. Isso demonstra a intensidade da necessidade da razão. Mesmo o “apego a fé” é a conexão entre um dado conhecido, obtido pela razão, e outro desconhecido, e.g. é a razão que conecta a prece com o resultado esperado.


Como o aprendizado dos instrumentos da razão é deficiente, os seres humanos estão sempre abaixo da situação, apelando aos símbolos da razão para não viverem atemorizados. Por exemplo, você está atravessando um bairro desconhecido, você não sabe que tipos de pessoas estão ali, mas você se convence de que são pessoas boas e que ninguém vai lhe fazer mal – você está criando uma ligação racional entre uma situação presente, intuitiva e uma situação hipotética. O tempo todo apelamos a esses símbolos da razão e não à própria razão, sendo esta nossa maior fonte de enganos, e um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da inteligência, pois viver a partir de símbolos da razão é viver na falsidade – o símbolo da razão apenas produz conforto psicológico, não nos aproxima da verdade.


Para operar eficientemente a razão é necessário ampliar e fortalecer o sistema de signos, começando pelo domínio da linguagem. Sem este domínio temos dificuldade em expressar nossos pensamentos, sentimentos e testemunhos, apelando para esquemas de linguagem que ouvimos, e que podem expressar coisas completamente diferentes da nossa intenção. As pessoas dão o nome errado às coisas, elas sabem expressar suas percepções mas somente aquilo que já aprenderam a expressar – elas vão repetir uma linguagem e os ouvintes que usam a mesma linguagem vão pensar que as entenderam.


Todas as discussões públicas no Brasil sofrem com a precariedade no uso da linguagem. Os problemas são vistos e sentidos mas não corretamente especificados, e.g. temos um sistema eleitoral de contagem de votos secreta (não pública) e não auditável, mas discute-se a fragilidade das urnas eletrônicas – estão apelando a um símbolo da razão, e não fazendo uso efetivo da razão.


Os instrumentos de que a razão se socorre são basicamente a linguagem e o cálculo. O cálculo serve para desenvolver o senso das proporções, para se comparar o maior com o menor, ver a relação entre duas coisas, ver pesos, medidas, etc., porém toda a matemática do mundo não pode lhe informar o que você está medindo. A matemática não pode dizer qual é a diferença entre 1 kg de ouro e 1 kg areia, ela só pode dizer que ambas pesam 1 kg. Não existe inteligência matemática que possa substituir a intuição de qual é o objeto presente – a razão inteira não pode fazer isso.


A única maneira que temos de nos referir aos objetos intuídos é através da linguagem. Mas se a linguagem está deslocada da natureza dos objetos, se a pessoa vê uma coisa e diz outra, e se ela ainda tenta utilizar a inteligência matemática para formular numericamente a situação, então ela criou um erro monstruoso do qual ela jamais vai se refazer – ela está usando instrumentos matemáticos altamente potentes para medir uma coisa que não está lá e que é completamente diferente daquela que ela viu. A expressão é a base do seu domínio da razão. Se você não souber nada de matemática, você pode ter uma consciência racional altamente desenvolvida. Mas você está perdido se não souber nada de linguagem. A matemática é um uso especializado da razão para certos aspectos que são matematizáveis e que nunca são os essenciais – toda representação matemática se destina ao uso técnico e não à expressão dos problemas.


O desenvolvimento da inteligência

O primeiro obstáculo fundamental ao exercício da inteligência advém da própria natureza das coisas: só podemos dizer aquilo que nós pensamos, ou seja, é preciso que haja uma operação de formalização e esquematização na nossa consciência para que possamos expressar diretamente os objetos ou expressar mesmo a sensação que estes objetos provocam – nós nunca dizemos o que estamos vendo, mas sim o que estamos pensando. Tendo consciência deste processo podemos desenvolver uma série de mecanismos corretivos ou adaptativos para mantermo-nos o mais próximo possível da nossa percepção.


As imagens que povoam a nossa memória, e das quais nós extraímos aquilo que vamos dizer, são de duas fontes: das percepções diretas, ou de elementos imaginários colhidos de leituras, conversas ou outros modos indiretos – a maneira de tratar as duas é completamente diferente.


A apreensão da experiência direta exige: (a) perceber corretamente, (b) memorizar corretamente, e (c) transpor para a linguagem – somente apropriamos a percepção quando a transpomos em linguagem. O conjunto das experiências diretas que alcançam a verbalização é pequeno diante de tudo que percebemos. E mesmo este pequeno conjunto pode ser facilmente alterado por influências externas.


A psicologia moderna centra seu estudo na figura do sujeito cognoscente, ignorando o mundo exterior sem o qual não haveria o cognição alguma – toda percepção direta se dá num ambiente externo e por este é enormemente influenciada (ver a teoria de psicologia ecológica de J. J. Gibson (1904-1979)). A restauração da inteligência demanda descartar o egocentrismo no qual a psicologia nos acostumou, parar de buscar explicação em nós mesmo pois há muitas explicações externas mais satisfatórias. Este egocentrismo tem origem em Kant, pois se nada podemos conhecer das coisas em si mesmas, mas apenas através das condições a priori que determinam o nosso conhecimento, acaba-se desviando a atenção dos objetos dos quais nada podemos saber além da aparência, e se concentrando na estrutura do pensamento – indevida separação estanque da natureza e da cultura.É preciso voltar ao ambiente físico, não ficar preso ao ambiente cultural gerado pela subjetividade humana. A presença física impõe uma série de possibilidades e limitações, muitos intransponíveis – esta é a realidade em cima da qual se constrói o mundo humano. Em toda e qualquer situação, é preciso primeiro atentar para os condicionante físicos da situação – entender que a realidade primária é física e não o mundo humano construído em seu entorno.


É só a partir do ambiente físico que você pode reconstruir as suas memórias de uma maneira realista. Aristóteles ensinava que a inteligência não opera diretamente sobre os dados dos sentidos, ela só opera sobre aquilo que foi guardado na memória (abstraído da percepção) – realização de uma primeira seleção. Daí a necessidade de domar nossa memória estabelecendo critérios para nossa atenção e seleção com base no amor pelo conhecimento.


Toda a operação da inteligência humana está baseada na memória, sendo preciso prezar a nossa memória. Aperfeiçoamos a memória através da anamnese, ou seja, vencendo o esquecimento através da construção da narrativa daquilo que realmente aconteceu.


A narração é fundamental para a compreensão dos fatos experimentados e testemunhados – moldar a memória de modo que ela reflita o que de fato aconteceu (assegurar de que aquilo que você está pensando existe e faz parte da sua experiência real). A qualidade da narrativa exige o conhecimento da língua e uma extensa cultura literária – toda educação deveria começar aí (remete ao Trivium), mas infelizmente no Brasil se dá demasiada ênfase no estudo da matemática em detrimento do idioma, inibindo o desenvolvimento da inteligência dos alunos.


Também quando lemos ou ouvimos de alguém uma informação criamos uma imagem em nossa mente, mas, neste caso, não estamos lidando com elementos da memória pessoal, mas sim elementos ficcionais ou fornecidos por terceiros que tomamos como premissa. A primeira reação é imaginar a informação recebida, avaliando sua condição de possibilidade ou impossibilidade – buscar o elemento de verossimilhança (passagem do discurso poético ao retórico).


Esta busca da verossimilhança é individual, não devendo cair no erro de simplesmente aceitar como verossímil o que as outras pessoas aceitam como verossímil – não transferir o problema cognitivo para uma esfera da autoridade externa. Também não devemos descartar com verissímil algo para o qual não temos presente uma explicação sob risco de estagnar o próprio conhecimento. Aceitar o primado do fato em relação à explicação é a regra áurea de todo o conhecimento – cair no conforto homeostático da explicação é pernicioso ao desenvolvimento da inteligência.


O estado de dúvida resultante desta postura deve ser mitigado com um equilíbrio emocional – segurança emocional que permite coexistir com o estado de dúvida e evita cair na armadilha de apegar-se a certeza intelectual dependente de ideias e opiniões externas como substitutivo do equilíbrio da centralidade emocional. O equilíbrio na esfera intelectual cognitiva permite mudar de opinião diversas vezes sem ficar desorientado.


O desejo de conhecimento deve ser levado a sério, mesmo que a busca deste conhecimento conflite com o seu meio social. E ter mente que não existem fontes de informação confiáveis, só existe narrativa verdadeira e narrativa falsa.


Experiência → Memória → Discurso Imaginativo ou Narrativo → Verosimilhança


A verbalização enfrenta o problema de livrar-se das limitações e armadilhas da linguagem coletiva com seu conjunto de frases feitas e palavras desprovidas de sentido mas carregadas de sentimentos, sendo preciso desenvolver uma linguagem personalizada para a efetiva busca da verdade – encontrar as palavras que evoquem no leitor ou ouvintes as mesmas sensações que temos. Só a linguagem literária concreta nos arraiga na realidade.


Como na pintura onde o artista não transmite a reprodução fotográfica da imagem mas sim sua impressão sobre ela, a linguagem literária também não é constituída de correspondência biunívocas, mas sim de uma coleção de significados possíveis que vão ressoar de forma diferente em pessoas diferentes, Esta flexibilidade é que permite a fidelidade na reprodução e transmissão da experiência, mas seu uso efetivo demanda uma boa formação literária.


A educação precisa estar embasada na realidade concreta e no controle do mecanismo abstrativo – os momentos de abstração não podem perder contato com o mundo real.


Outro ponto importante é ter sempre em mente que as pessoas só aprendem o que querem, conforme demonstrou o educador americano a John Taylor Gatto (1935-2018). Daí o professor ter que explorar os temas que os alunos desejam aprender e gradativamente inserir os demais elementos que eles vão necessitar. Gatto também dizia que todos devem dominar um assunto em profundidade, e no processo de domínio deste tema específico adquire-se uma série de outros aprendizados – tudo sempre fundamentado na experiência concreta do aluno. Todo conhecimento toma raiz na realidade da experiência concreta, sem a qual ele só vale para fins administrativos.


As ciências devem ser estudadas visando entender como ela se formou, entendendo não apenas os recortes feitos, mas sua articulação com o mundo real. Isto não é fácil pois esta articulação com a realidade concreta quase nunca é documentada.


Enfim, para desenvolver a inteligência é preciso:


  • Entender que estamos no mundo real e que é exatamente este mesmo mundo que vemos – se vemos as coisas de maneira incompleta, é porque as coisas se mostram de forma incompleta (não há nenhum ente que possa exibir todos os seus aspectos ao mesmo tempo, pois isso seria contraditório com a sua existência espacial e temporal).

  • Confiar em nossa inteligência como o eminente órgão da apreensão da realidade e da comunicação da realidade.

  • Confiar no poder da linguagem e entender que ela não precisa abranger a realidade, não precisa conter a realidade e nem mesmo expressar a realidade, porque a linguagem só existe como instrumento de comunicação. Tudo que dizemos depende da repercussão na mente do ouvinte, e esta repercussão vai sempre muito além daquilo que foi dito – toda comunicação se dá entre pessoas que têm um passado, um conjunto de conhecimentos, e um certo horizonte de consciência que ativamos quando travamos uma conversação.

  • Estabelecer um efetiva comunicação entre as diversas faixas de consciência que temos: faixa sensorial, memória, elaboração linguística, etc. Todas devem estar permanentemente ativadas em conjunto.

  • Ter em mente que em toda comunicação existe num contexto cultural prévio: é o conjunto do que sabemos e do que nossos interlocutores sabem. Este conjunto pode ter amplitude variada. Só existe diálogo possível entre pessoas que têm mais ou menos o mesmo domínio dos fatos pertinentes você não pode discutir com quem não sabe do que você está falando.


  • Promover o intercâmbio cultural através da associação com pessoas interessadas no próprio desenvolvimento intelectual – essa associação é um fenômeno natural que por motivos antinaturais praticamente desapareceu no Brasil.

  • Ampliar o imaginário mediante a absorção da tradição artístico-literária, abrindo espaço para o senso da realidade – é impossível conhecer uma realidade que não se consegue imaginar. O que percebemos depende do que conseguimos imaginar – somo refratários as informações que não conferem com nosso imaginário. Priorizar os cânones literários e depois os melhores livros de história – a literatura dá a superfície de comparação para valorar os fatos históricos.

  • Evitar a armadilha da especialização que não abarca a complexidade dos eventos sociopolíticos.

  • Combater as paixões que bloqueiam a busca do conhecimento. É preciso controlar os apetites concupiscíveis (desejo das coisas agradáveis) e os apetites irascíveis. Paixões movem o imaginário na direção errada e nos afastam da sabedoria. Para ser sábio o homem precisa desenvolver a castidade, temperança e paciência (não ter medo de morrer). Estas virtudes são o caminho para a justiça (justiça universal – a justiça de cada um) e o desenvolvimento da prudência (bom senso para as decisões práticas e morais). Com isso podemos desenvolver a virtude da inteligência especulativa visando: (a) conhecer a essência de todas as coisas, (b) ser capaz de inter-relacionar todas as coisas, (c) conhecer os princípios que coordenam tais relações, até chegar a causa primeira (discutir a ordem universal).

  • Pensar, meditar e contemplar. Pensar é você transitar de uma ideia para outra, um processo quase automático. Meditar é rastrear para trás buscando a origem de suas ideias e crenças no sentido histórico e então rastrear os seus fundamentos. E contemplar é você ver os fios entrecruzados de várias meditações e contemplá-los como um conjunto.



 


Notas:


  • Olavo de Carvalho (1947-2022) nasceu em Campinas, Brasil.

  • Filósofo, analista político e polemista, tem extensa obra registrada em livros e aulas gravadas.

  • O seminário A Guerra Contra a Inteligência foi ministrado em 5 aulas entre os dias 5 e 9 de março de 2018.


  • A física de Isaac Newton (1642-1726) é teológica. Newton, apesar de religioso, era contra a trindade, acreditando na unidade absoluta – tudo o que ele fez foi para argumentar em favor disso. As gerações seguintes já não se aceitam mais isto, e interpretam a física de Newton anacronicamente.

  • Ensinar as pessoas a ter “pensamento crítico” é apenas colocar no aluno o cabresto marxista para criticar os supostos “inimigos da revolução”.

  • Psicose Informática: o bombardeio de informações ultrapassa infinitamente a capacidade humana de organizá-las provocando o snapping, deixando o homem num estado de estupor, de incerteza total, incapaz de tirar conclusão de absolutamente nada. Frente a isto, alguns buscam uma autoridade para lhes dizer como as coisas são, é uma busca de alívio que o acaba escravizando.

  • Raciocínio de Convergência: é o raciocínio mais alto que ser humano alcança ao associar diferentes conhecimentos como o científico, o pragmático, o habitual, os valores, etc., convergindo para a produção de um resultado desejado.

  • Para Aristóteles a matemática é coisa para crianças, pois a matemática não requer experiência da vida. Pode-se encontrar uma criança gênio matemático, mas nunca uma que seja gênio da narrativa literária.

  • Não podemos falar de percepção desassociada da realidade. Perceber é apreender algo exterior. A divisão entre percepção e realidade é fruto envenenado do kantismo.

  • O crescimento de registros de informações e a maior facilidade de acesso a eles não representa maior conhecimento, pois a quantidade de registros é inabarcável, podendo até criar mais confusão.

  • Tudo que conhecemos são signos, os objetos são matrizes de signos, e.g. quando vejo uma mesa tenho acesso visual apenas a partes dela que valem como um signo da mesa inteira (nunca vemos as coisas em sua inteireza pois elas nunca de apresentam por inteiro). Há também signos lembretes, neste exemplo a palavra “mesa”. Cada objeto tem uma capacidade ilimitada de emitir signos para diferentes observadores. A realidade é um conjunto de emissores e captores de signos. Este fato desmonta a ideia kantiana de que vivemos num mundo de aparências por trás do qual existe uma realidade – a aparência é um aspecto da realidade.

  • A percepção de qualquer ser é instantaneamente a percepção do seu círculo de latência.

  • Honestidade intelectual é a não fingir que sabe o que não sabe, e não fingir não saber o que sabe.

  • Política de gênero visa instigar histeria coletiva e dissonância cognitiva, emburrecendo a sociedade a obedecer tudo que emana do Estado. Não tem nada a ver com sexo ou moral.

  • Max Weber em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo afirma erroneamente que o vulgo capitalismo surgiu da ética do trabalho protestante, quando o que se convencionou chamar de capitalismo começou no século X nos mosteiros.

  • Qualquer processo real que se desenrola na natureza ou na história é um fato de ordem concreta tendo nele a confluência de inúmeros fatores, inclusive acidentais, que precisam ser percebidos como um conjunto para sua adequada compreensão, e a ciência inibe ou impede esta percepção. Por exemplo, quase nenhum cientista político previu a queda da União Soviética (pouco antes da queda soviética Paul Kennedy em Ascensão e Queda das Grandes Potências chegou a prever que quem sucumbiria seria os EUA), apenas aqueles que utilizaram métodos considerados pelos cientistas como impressionistas é que conseguiram antever aquele evento histórico – a previsão histórica requer uma habilidade que o ensino científico descarta. É um erro terrível querer eliminar a percepção da realidade em função da argumentação científica.

  • Muitas vezes o conceito de Deus que as pessoas têm não é religioso, mas um conceito mágico. É uma força que elas podem evocar mediante certos atos ou ritos – o que não é verdade. Por exemplo, ir à missa, confessar e comungar as põem em estado de graça mas não impede que algo ruim lhes aconteça, Deus prometeu apenas que se morrerem naquele estado elas vão para o céu, e nada mais.

  • Para conhecer a história de movimento político é preciso analisar a dialética entre seu discurso e sua ação.

  • Os movimentos totalitários (i.e. coletivismo, globalismo, islã) inspiram-se na alquimia para alcançar seus objetivos: solve et coagula. Visam destruir o resquício civilizatório para conquistar e impor suas mormas (que quase sempre serão contrárias ao caos que fomentam, e.g. a atual epidemia na Europa de muçulmanos estuprando mulheres ocidentais).

  • Quando um “democrata” fala em ampliar “diretos” está apenas concentrado poder na mão do Estado. Direitos de uns significa deveres de outro, e apena o Estado terá a força de fiscalização para garantir estes novos “diretos”. É o controle estatal sonhado por todo comunista.

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